Nosferata

Nosferata

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

NOSFERATA

VOLUME I GUERRA DE SANGUE

CAPÍTULO 02 – MINHA CASA pt. I


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A Casa Ergen é uma sociedade nosferatu extremamente organizada. Sua sede é um imponente castelo escondido no meio da vasta vegetação das montanhas européias. Mas esse castelo tem uma peculiaridade: ele é totalmente adaptado para abrigar Nosferatus. Todas as portas e janelas se fecham completamente sem deixar nenhuma fresta que possibilite qualquer entrada de luz solar. Tal adaptação é copiada das moradas de um clã: a Kalmasia. Todos os ninhos kalmasia possuem esse tipo de lacre em suas portas e janelas.
            A Casa Ergen não é nada mais do que a reunião de cinco dos clãs nos quais os Nosferatus se dividem. É uma sociedade forte e importante, que rege a conduta de praticamente todos os Nosferatus existentes, mesmo daqueles que não fazem parte dela, pois suas influências são bem abrangentes. Para os ergen é muito importante manter a frágil harmonia e o instável equilíbrio num mundo onde coexistem Homens e Nosferatus, sendo assim, eles realmente controlam tudo. Porém, tais imposições incomodam profundamente àqueles que nunca se dispuseram a fazer parte dassa Casa. Estes se dividem basicamente em dois grupos. O primeiro deles é formado por outros cinco clãs que se uniram em uma outra casa, chamada Casa Hatar, que rege sua própria ordem com suas próprias leis, mas em relação à sociedade Nosferatu como um todo, a ordem é ditada pela Casa Ergen. Suas diversidades políticas são tratadas através de um frágil elo diplomático entre as casas. O segundo grupo é formado pelos demais Nosferatus. Esses Nosferatus costumam ter dois tipos de identidade: ou são totalmente individualistas e isolados, sendo que nem costumam ter muito contato uns com os outros e nem um tipo de organização hierárquica ou então são clãs tão fortes, unidos e organizados que se recusam a fazer parte de uma das casas.
            A regência que a Casa Ergen exerce verticalmente sobre os seus cinco clãs afiliados se assemelha com a organização de um governo e suas polícias. Quando um crime é cometido num certo âmbito, pode ser resolvido pela polícia local, mas quando o crime é de âmbito nacional, a responsabilidade passa para a polícia federal. A Casa Ergen funciona como um governo central, uma polícia federal, a quem cabe julgar e analisar todo e qualquer caso que possa afetar a sociedade Nosferatu como um todo.
            Sendo assim, um caso de overdose por indelina, que é uma substância perigosa, altamente tóxica e sem exatas definições e/ou restrições legais esclarecidas, deve ser impreterivelmente levado ao conhecimento da Casa Ergen. E naquela noite, Gerald Fuller respondia pela imprudência de Andora e Jannid. Porém, sua surpresa fora maior ainda ao conhecer que seu promotor era seu arqui-inimigo: General Vaughn Krieg.
            - Os senhores queiram me perdoar, mas a presença do Gal. Krieg não é adequada a este momento. – diz Fuller – Nunca foi necessário um tipo de intervenção como essa em nenhum outro julgamento na história da Casa Ergen. Muito menos tendo uma promotoria representada por alguém que, além de sequer fazer parte da Casa Ergen, é integrante da Casa Hatar, com quem temos clara e direta discordância política.
            - O senhor deve entender, Gal. Fuller, que essa é uma reestruturação que está sendo implantada recentemente... – diz o Juiz Hoffman – Essa reestruturação visa a integração de ambas as casas, Ergen e Hatar em prol de um único objetivo em comum: garantir a nossa sobrevivência, desde a queda da Nosferata.
            - Mas senhores, precisamos encarar o fato de que somos dois grupos com pontos de vista totalmente distintos, principalmente no tocante ao nosso comportamento frente à sociedade humana... – dizia Fuller – Ainda que Gal. Krieg estivesse aqui para um julgamento leal, garanto que seus parâmetros não se encaixariam com a proposta que...
            - O Sr. subestima nosso julgamento, General? – pergunta Hoffman, irritado.
            - Não, senhor.
            - Pois parece que sim, com tantas contestações que faz às nossas decisões.
- Lembre-se, Gerald Fuller, – diz o Juiz Fitch – se somos juízes hoje, é porque temos idade o suficiente para termos visto a Nosferata se erguendo e ruindo quinhentos anos depois. Nós sabemos muito bem o que é bom e o que não é para nossa sociedade.
            - Sim, senhores... – Fuller abaixa a cabeça, massacrado pelos juízes.
            - Senhores, peço por Fuller um pouco de clemência. – diz Krieg – Não é necessária tanta severidade com ele, pois todos conhecemos muito bem sua extrema devoção à Kalmasia e à Casa Ergen...
            Fuller desconfia das intenções de Krieg, que continua:
            - Como promotor dessa ação, eu me contento em retirar as acusações do crime de mau uso de indelina frente à explicação do porquê ter recolhido o garoto Lucas e levado para dentro de seu ninho para transformá-lo, sendo que isso consiste em violação das regras da Casa Ergen!
            - Quem é você para encher a boca desse jeito para falar da Casa Ergen? – Fuller estava indignado – A Casa Hatar é uma estrutura frágil e desorganizada, que mal consegue se manter em pé, quem dirá policiar as transformações realizadas por seus membros! E você ainda quer falar alguma coisa da Casa Ergen e minha conduta?
            - Na Casa Hatar esse tipo de transformação também é inaceitável! – Krieg responde de imediato.
            Os juízes encaram Fuller com olhares de desaprovação. O último leva as mãos ao rosto, como quem reconhece que seu fim estava próximo.
            - A culpa toda na verdade foi minha... – diz Andora – O Gal. Fuller apenas recolheu Lucas e o levou para ser transformado em nosso ninho porque eu me apaixonei por ele.
            A revelação causa surpresas, inclusive em Jannid.
            - Eu quis o amor dele, mas eu desprezo a simples idéia de ter relações amorosas com um mortal... A intenção era transformá-lo...
            Ficam todos a encará-la. Jannid e Fuller pareciam surpresos, os juízes confusos e Krieg inseguro. Será que a estratégia de Andora funcionaria a favor de Fuller?
            Durante todo o julgamento, a um canto do salão estava um rato. Ele estava bem quieto, como se apenas observasse o que acontecia. Ele finalmente decide deixar o local, utilizando uma fresta entre dois blocos de pedra.


*          *          *


            O tal rato percorre algumas salas, enveredando-se entre as frestas e ralos da estrutura do prédio da Casa Ergen. Ele passa pela enfermaria, onde Lucas estava deitado. Junto a sua maca, havia outro homem, aparentando uns trinta e poucos anos. Apesar da palidez característica dos nosferatus, a aparência desse homem era forte e saudável, porém ele tinha uma marca inconfundível: uma profunda cicatriz em um lado do rosto, que descia do olho até a boca. Ao vê-lo ali, ao lado de Lucas, o rato para e observa.
            Lucas já estava consciente, mas ainda sentia-se totalmente dopado. A sensação que tinha era de que acordava em um hospital, provavelmente passara mal no bar e fora internado. E todo o ocorrido com Andora e Jannid foram apenas devaneios, delírios de seu mal-estar. Percebe não estar sozinho, nota a presença de um homem ao seu lado. Com a vista ainda um pouco turva, ele foca melhor nas feições daquele que deveria ser um médico ou enfermeiro: tristemente, ele vê naquele homem as mesmas feições vampíricas de Andora e Jannid, o que lhe causa um tremendo susto. Apenas a injeção de adrenalina causada por tal susto é capaz de dar forças a Lucas para saltar da cama de tal forma, porém, logo cambaleia, sem conseguir firmar as pernas sobre o chão. O homem se adianta e o ampara. Apavorado, Lucas se debate, tentando livrar-se dos braços daquele ser, sem sucesso.
            - Acalme-se! – diz o homem – Você ainda está muito fraco, precisa de descanso.
            Lucas, assustado, ainda pensa em fugir, olha em volta à procura de possíveis armas e saídas, mas suas pernas bambeavam.
            - Vamos, fique calmo e se deite. – o homem continua – Eu não vou lhe causar nenhum mal, estou aqui apenas para conversar.
            - Acho que já ouvi essa ladainha antes... – diz Lucas desconfiado.
            - Bom, quanto a isso eu não saberia dizer, mas algumas coisas eu sei que eu poderia...
            Lucas fica apreensivo, o tal homem sustentava um semblante revelador.
            - Imagino que a esse ponto você deve estar cheio de dúvidas e perguntas em sua mente e creio eu ter grande parte das respostas que você procura... – o homem continua – Mas é claro que eu também gostaria de lhe fazer algumas outras perguntas...
            Lucas hesita, pondera bem sobre a proposta e, sentindo seu corpo fraco, entende que não teria chances de fugir dali. Resolve aceitar:
            - Está bem, mas eu começo.
            - Justo.
            - Quem são vocês e o que querem comigo?
            - Nós pertencemos a uma outra espécie, chamada Nosferatu. Conhecidos por vocês como vampiros. E a intenção da garota que o sequestrou é provavelmente transformá-lo em um também.
            - Me transformar? – Lucas toma um baque – Mas por que a mim?
            - Isso eu imaginava que você pudesse me esclarecer... – o homem cresce um olhar misterioso e ameaçador sobre Lucas – Quem é você? O que você tem de tão especial?
            - Especial? Eu? – Lucas quase fica tão à vontade a ponto de rir debochadamente – Eu não tenho absolutamente nada de especial! Sou apenas um estudante universitário que trabalha à noite como barman para poder custear as despesas.
            O homem não entendia, mostrava-se muito intrigado com tudo aquilo.
            - O que foi que aconteceu comigo? – Lucas continua a perguntar – Me lembro de poucas coisas, alguns flashes... Me lembro de estar totalmente paralisado em um momento, mas me lembro também de recobrar os movimentos e tentar fugir, estava em um tipo de mansão... Me lembro de uma garota me mordendo e só, não me lembro de mais nada depois...
            - Você sofreu uma overdose de indelina...
            - Indelina? Ouvi a garota falando algo sobre isso...
            - E você já a conhecia de algum lugar?
            - Não... – Lucas hesita – Apenas já a vi frequentando o bar onde trabalho algumas vezes.
            - Você nunca teve nenhum tipo de contato com nenhuma das pessoas que viu naquela mansão?
            - Não! Quase não vi ninguém lá, mas os que vi não conheço.
            Silêncio. O tal homem parecia irritado, o que deixa Lucas apreensivo. Ele olha em volta, tentando imaginar uma forma de sair dali.
            - Onde é que estamos? – pergunta Lucas.
            - Esta é a sede de uma das maiores instituições nosferatu existentes no mundo.
            - Eu quero ir embora daqui...
            - Eu poderia levá-lo comigo, mas me sinto na obrigação de informá-lo que onde moro também só moram nosferatus, assim como a mansão onde esteve mais cedo.
            - Muito obrigado, mas eu pretendo voltar para minha própria casa.
            - Infelizmente creio ser eu obrigado a informá-lo que isso não será mais possível.
            Lucas gela. O homem se mostra sério e firme.
            - Sua transformação já foi iniciada, – ele continua – agora não há mais meios de reinseri-lo na sociedade humana.
            Lucas arregala os olhos e o homem pega um pequeno espelho que estava sobre uma bancada onde haviam vários instrumentos médicos. Com o espelho, mostra a Lucas as marcas da mordida de Jannid em seu pescoço:
            - Faltam apenas mais duas mordidas para se completar o processo...
            - Deve haver algum meio de reverter isso! – Lucas começa a entrar em desespero.
            Quando Lucas lhe devolve o espelho, o homem vê o reflexo do tal rato, que espreitava a um canto. Ele olha diretamente para o rato, que foge, entrando em um ralo. O homem se mostra preocupado com o rato, mas disfarça:
            - Imagino que se vier comigo, eu possa fazer algo por você.
            Os olhos de Lucas refletem esperança.
            - Alguns daqueles com quem moro se empenham em estudar o fenômeno Nosferatu e como manipulá-lo. É provável que tenham uma solução para seu caso, afinal, você ainda não se transformou, levou apenas a primeira mordida...
            - Como posso confiar em você? – diz Lucas – Nem sei o seu nome.
            - Não há nada que eu possa dizer ou fazer que lhe faça confiar em mim assim tão subitamente, isso caberá ao seu discernimento. Mas meu nome é Hugh Xavier.
            Hugh sorri de forma simpática. Lucas pensava por alguns instantes.


*          *          *


            Na mesma sala onde Mandor mantinha Trevor amarrado, ele e Ron amarraram também Kayla, que já lhes começava a dar nos nervos com tantas reclamações e ameaças sem fundamentos.
            - Eu juro que assim que o dia amanhecer eu vou fritar a todos vocês como panquecas! – ela esbravejava.
            - Jura, docinho? – Ron debocha – E como você pretende fazer isso amarrada a essa cadeira?
            - Encostem um dedo no meu irmão e vocês verão!
            - Ah! O irmão... – ele continua debochando.
            - O que vocês sabem sobre ele, hein?
            - Basta que você saiba que ele sempre esteve certo à respeito de nossa existência... – diz Mandor em tom sereno.
            - O que mais? – Kayla não parava de falar – Vocês andam nos espionando, é? O que vocês querem com o meu irmão? O que vocês sabem sobre ele?
            Ron perde a paciência e, como uma flecha deixa o lugar onde estava e vai para a frente da cadeira de Kayla, debruçando-se sobre ela, falando bem de perto em tom ameaçador e irritado:
            - Escuta aqui, garota: sabemos muita coisa sobre o seu irmãozinho esquisito, mas isso é o de menos relevante aqui. Pare para pensar e imagine o quanto sabemos sobre você.
            Ao final da fala Ron ainda continua encarando-a olho no olho. Kayla fitava profundamente seus olhos de brilho branco. Assustada, engole seco.
            - Sabemos tudo sobre vocês dois... – Ron continua, estendendo a conversa a Trevor.
            - E com qual intuito coletaram todas as informações a nosso respeito e nos trouxeram para cá?
            Antes que Ron ou Mandor pudessem responder, Leda Moyer entra no quarto.
            - Mandor? – ela o chama com discrição.
            - Leda? – ele se surpreende ao vê-la – Aconteceu alguma coisa?
            - Na verdade sim, você poderia me acompanhar?
            Mandor sai com Leda deixando Trevor e Kayla ainda mais desconfortáveis. De certa forma, a presença de Mandor era tranquilizante e amena. Estava sendo extremamente incômodo para os dois saberem que ficariam unicamente na companhia agitada e ameaçadora de Ron.

            Leda Moyer é uma espécie de secretária executiva na Kalmasia, como uma ministra. Quem administra todo o sistema do ninho é Adam Clastern, o Regente, mas Leda Moyer é seu braço direito, auxiliando-o em praticamente tudo, tendo inclusive autonomia para muitas coisas.
            Quando Mandor finalmente deixa o quarto na companhia de Leda, depara-se com o próprio Adam Clastern, que o aguardava no corredor, acompanhado por um rapaz alto e sério.
            - Está acontecendo algo sério? – Mandor fica apreensivo ao vê-lo.
            - Sim, Mandor, está. Gal. Fuller está sob julgamento na Casa Ergen e algo muito estranho está acontecendo lá...
            - O que está acontecendo?
            - É justamente esse o motivo de te chamar aqui. Preciso ir até lá. Usarei um dos carros blindados, pois o sol já nasceu. Enquanto isso, Leda estará no comando aqui, porém, com a ausência de Fuller, o próximo na cadeia de comando é você.
            - Sim, senhor. Ajudarei Leda no que for preciso.
            - Eu vim aqui mais precisamente te avisar que você e Ron já podem começar com o que for conveniente na doutrina de Kayla e Trevor. Lucas terá que ser trabalhado à parte de qualquer forma...
            - Sim, senhor. Pode ficar despreocupado que cuidaremos disso.
            - Obrigado, Mandor. Agora tenho que me apressar...
            Adam e o rapaz que o acompanhava saem rapidamente.

            Enquanto isso, na sala, Ron conversava com Kayla e Trevor.
            - Alguma vez vocês já se imaginaram vivendo eternamente? – pergunta Ron.
            - Sim... – Trevor parecia divagar, indo longe.
            - Não! – respondendo ao mesmo tempo que Trevor, Kayla responde de forma grosseira e pirracenta.
            - A verdade é que é maravilhoso. – ele responde com um largo sorriso – A vida eterna é uma das maiores dádivas que é possível se receber nesse mundo.
            - Não imagino ser nada maravilhoso ver minha família e meus amigos envelhecendo e morrendo, perder a capacidade de ter sentimentos humanos e ser obrigada a conviver com o monstro que me tornaria e com as injustiças do mundo para todo o sempre. – diz Kayla em tom de afronta.
            Ron ri divertidamente, como quem ri de uma criança falando bobagens.
            - Não pense pequeno, Kayla! O mundo é injusto apenas para criaturas pequenas e indefesas como os homens, que estão sempre na qualidade de vítimas. Além disso, não há monstruosidade alguma em ser uma espécie melhor do que as outras, isso é teoria da evolução na sua forma mais pura. Quanto aos sentimentos, se eu não os tivesse, você provavelmente já estaria morta à essa altura por ser tão entediante e inconveniente. Mas como sim, eu tenho sentimentos, eu sinto até raiva a ponto de querer matá-la, e também misericórdia, a ponto de não dar ouvidos a tais pensamentos.
            Breve silêncio. Os dois ainda trocavam faíscas pelos olhares.
            - Você não disse nada sobre ver sua família e amigos envelhecendo e morrendo...
            - Se você quiser envelhecer, que fique à vontade! Eu estou muito mais confortável sabendo que viverei jovem e bonito para sempre. Quanto aos amigos, é muito superficial de sua parte achar que do nada você conhece alguém com quem não compartilha nada além de preferências, convive por alguns poucos anos e ainda assim querer dizer que conhece e ama aquela pessoa. Se ama realmente e intenciona conhecer a fundo, somente séculos de convivência são capazes de criar amizades verdadeiramente sólidas. E quanto à família, quando você se torna um nosferatu, aqueles iguais que o transformaram se tornam sua família, porque o acolhem. Não é um simples acaso de você nascer entre aquelas pessoas, elas escolheram você ali e você as aceitou. São além de família, amigos verdadeiros, pois compartilham um lar, uma visão de mundo, o alimento, o DNA.
            Mandor volta.
            - Clastern estava de saída, mas primeiro nos deu sinal verde para começarmos com os dois. – diz Mandor a Ron.
            Kayla e Trevor ficam apreensivos, não sabiam o quê seria começado com eles.
            - Quem é Clastern? – Kayla pergunta.
            - Adam Clastern é como se fosse o pai de todos nós aqui. – diz Mandor – É quem cuida de nossa família.
            - E vocês dois... – Ron faz uma pausa dramática com um largo sorriso sarcástico no rosto – sejam bem-vindos à nossa família!
            Os dois compreendem imediatamente o que tudo aquilo significava e arregalam imensamente os olhos.


*          *          *


            Andora obviamente mentira ao afirmar para os juízes que era apaixonada por Lucas e que ele fora escolhido para ser transformado graças a tal paixão. Tentara tomar a culpa de tudo para si, tentando assim ajudar Fuller, mas não foi suficiente. Sua história, por ser inventada na hora era inconsistente e cheia de lacunas. Hoffman e Fitch, os dois juízes, decidiram por desconsiderar tal depoimento e se preparavam para aplicar a Fuller o veredicto.
            Fuller estava apreensivo, atormentado pela incerteza do quão ruim poderia ser tal veredicto. Aliado a isso, controlava-se para não voar em cima de Vaughn Krieg e matá-lo brutalmente com as próprias mãos, ali mesmo. Olhava-o fixamente e em seus olhos de brilho esbranquiçado notava-se um extremo ódio, principalmente ao ver que o olhar de Krieg para si era um misto de uma vitória triunfante com bastante deboche e zombaria. Os olhos de Krieg não eram como os de Fuller e os demais integrantes da Kalmasia. Cada clã tinha suas características físicas específicas e os olhos esbranquiçados e brilhantes era uma exclusividade daqueles que tinham o DNA nosferatu de um kalmasia. Como Krieg pertencia a outro clã, o Romerna, suas características se diferenciavam: os olhos de um romerna são dos mais parecidos com os dos humanos entre todos os clãs nosferatus. O formato e a divisão entre íris e pupila era idêntica, com apenas dois detalhes: a pupila é bem contraída, como um pequeno ponto preto no centro da íris e a cor da última, variando em tons de vermelho. A íris de Krieg é de um tom de vermelho escarlate, cor de sangue puro.
            - Não foi nada pessoal, Fuller... – diz Krieg ainda com a mesma expressão triunfante e debochada – Apenas estou desenvolvendo o meu papel numa sociedade que está para surgir.
            - Nova sociedade? – Fuller pergunta curioso.
            Ambos os juízes encaram Krieg de forma repreensiva, fazendo com que Krieg se cale.
            - Eu exijo saber do que você está falando! – Fuller é enérgico.
            - Gal. Fuller, poupe suas energias... – diz Hoffman.
            - O senhor não está em posição de exigir absolutamente nada. – Fitch completa – Saiba o senhor que qualquer deliberação que o livre da pena de morte e ou da expulsão da Casa Ergen, consequentemente de seu próprio clã, o Kalmasia, será considerada um voto de clemência de nossa parte.
            Com grande estrondo, as portas do salão se abrem repentinamente.
            - Vou considerar que houve algum problema com a correspondência para eu não ter sido convocado a essa audiência, senhores juízes. – Adam Clastern adentra o salão com confiança.
            - Na verdade se trata de um julgamento, senhor. – Fuller o corrige.
            Adam fica alguns segundos encarando Krieg.
            - O que ele faz aqui? – pergunta Adam aos juízes.
            - Represento a promotoria nesse caso. – o próprio Krieg responde.
            - Não crêem ser um tanto inadequado um romerna representar a promotoria contra um kalmasia? – Adam novamente se dirige aos juízes.
            - É bom nos acostumarmos... – diz Fuller em tom jocoso – Até onde sei, assim será numa nova sociedade que está por vir.
            - Nova sociedade? – Adam não entende.
            - O senhor está sendo petulante, General. – Fitch o repreende – Não teme que tal comportamento reflita negativamente em sua sentença?
            - Mas nem mesmo o veredicto de culpa foi anunciado ainda. – Fuller responde com proposital petulância.
            - E nem será. – diz Adam – Não haverá veredicto ou pena alguma porque em primeiro caso não deveria ter havido julgamento. Andora realmente havia se apaixonado por Lucas e eu, na condição de regente da Kalmasia autorizei a entrada dele em nosso ninho para que fosse realizada a transformação. Sua fuga não pode ser caracterizada legalmente como uma fuga, pois ele nunca deixou de fato o ninho, a não ser trazido por Fuller, graças à overdose de indelina que sofrera. Como o problema era interno, todas as infrações podem ser penalizadas por eu mesmo.
            - Compreendemos perfeitamente sua posição, Sr. Clastern, mas infelizmente o senhor não está adequadamente qualificado para ter voz ativa nessa decisão. – diz Hoffman – O senhor não é um Elder e tampouco o Patrono da Kalmasia.
            - Há exatamente cento e oitenta e sete anos, Edgard Raven, o Elder Patrono da Kalmasia que atualmente se encontra em repouso, me nomeou Regente. Isso me dá plenos poderes para administrar o clã como se eu fosse o próprio.
- Mesmo assim, Sr. Clastern... – Hoffman continuava a falar, mas Adam o interrompe:
- Mas existem outros fatores que tornam esse julgamento inválido. Eu, aliás, não me recordo de em momento algum essa nova estruturação ter sido aprovada pelo conselho dos clãs componentes da Casa Ergen. H
            - A própria Casa Ergen em sua qualidade de Instituição Regente tomou tais decisões. – responde Fitch.
            - Diferente de mim, que respondo por Edgard Raven, os senhores como juízes não podem responder por Belatrix Alba, que é a única na Casa Ergen com poderes para tal – Adam continuava, inflado – Mas de qualquer modo eu posso nesse exato momento apelar para os Patronos e Regentes dos demais clãs e pedir suas opiniões sobre um membro da Casa Hatar atuando como promotor em nossos julgamentos internos.
            - Tudo será feito da forma adequada, isso eu garanto. – diz Hoffman – Porém temos uma grande pressa para tal reestruturação, visando uma nova sociedade que garantirá a sobrevivência de todos, substituindo esse frágil sistema de duas casas.
            - À partir do momento em que essa nova sociedade for votada e aprovada e o novo sistema entrar em vigor, as coisas começarão a seguir tal ordem, mas por enquanto ainda é inválido!
            - O senhor tem consciência que pode estar iniciando um sério incidente diplomático, Sr. Clastern? – pergunta Fitch.
            - Quando se trata da Romerna o termo incidente diplomático é ínfimo para descrever a realidade, cujo início já ficou para trás há muitos séculos... – diz Fuller olhando com desprezo para Krieg.
            Adam, Fuller, Andora e Jannid deixam a sala dos juízes. Ambos pareciam extremamente preocupados. Trocavam olhares entre si e, por fim, olham para Krieg, de maneira ansiosa, como se esperassem a resposta para alguma coisa.
            - Alguém vai ficar muito insatisfeito... – diz Krieg em tom ameaçador, deixando os juízes ainda mais preocupados.

            Fuller guiava os três até a enfermaria, onde Lucas havia ficado repousando. Ao chegarem, se deparam com o local vazio.
            - Jannid e Andora: vasculhem todo o edifício até encontrá-lo! – ordena Fuller furioso.


*          *          *


            Lucas andava com dificuldade, escorando-se em Hugh, que lhe apoiava pelo braço. Hugh tentava ajudá-lo a andar mais rápido, enquanto percorriam os intermináveis corredores da Casa Ergen.
            - Você verá, Lucas, – dizia Hugh – nós conhecemos muitos estudiosos, alguma coisa eles serão capazes de fazer por você. Sua transformação, em teoria, já é inevitável, se voltar para casa corre um grande risco de morrer e se retornar com os mesmos que o trouxeram, vai acabar se tornando cobaia de experimentos hediondos.
            - Como você sabe disso? – Lucas pergunta assustado.
            - Eu tenho meus motivos para afirmar isso... – Hugh sutilmente inclina o rosto, de forma que Lucas veja sua cicatriz – Sem dúvidas você tomou a melhor das decisões. Vir comigo e se tornar um grande guerreiro, fazer parte do clã dos Nosferatus mais fortes e resistentes que existe: A Romerna!
            - Eu realmente vou precisar ser mordido mais duas vezes? É uma dor insuportável...
            - Te garanto que as próximas não doerão quase nada...
            Hugh para de repente e fica apreensivo.
            - O que foi? – Lucas pergunta, sendo interrompido por um sinal de silêncio de Hugh, que parecia prestar atenção em algum som.
            Lucas, que não ouvia som algum, começa a prestar atenção também. Logo ele distingue um estranho barulho, que parecia muito com os grunhidos de um rato. Quando abre a boca para fazer um comentário com Hugh, o último vira-se para trás. Hugh vê o mesmo rato que os observava na enfermaria. Em movimentos extremamente rápidos, ele solta Lucas, jogando-o a um canto, puxa uma faca de seu cinto e atira-a contra o tal rato, que por sua vez, na mesma velocidade, transforma-se num ser humano e desvia-se da faca, que se encrava no rejunte do piso de pedra. Ele estava nu, porém tinha muitos pelos, pelos de rato, que o proporcionavam uma nudez não expositiva. Suas mãos se assemelhavam com as patas de um rato, porém suas unhas se mostravam extremamente afiadas e fortes. Seu rosto, principalmente a região do nariz e boca, seus dentes e suas orelhas também tinham características mais próximas às de um rato do que de um humano. Finalizando o quadro, ele tinha a cauda de um rato. Ele e Hugh se encaram como rivais e montam guarda. Lucas observava aquilo sem conseguir acreditar.
            - É muito corajoso de sua parte ignorar toda a minha superioridade e mesmo assim querer me enfrentar, criatura... – diz Hugh, com desprezo.
            Hugh e o rato partem para a luta. Hugh demonstra realmente ser mais forte e ter mais conhecimento de técnicas de luta, porém o homem-rato é mais ágil. Seus golpes com a cauda conseguem atingir Hugh com maior eficácia, colocando-o em segurança, pois impedia o último de se aproximar. Já o nosferatu, começando a se irritar, consegue finalmente segurar a cauda e puxá-lo para perto de si. O rato se debate, mas Hugh segura-o por trás. Prepara as presas para morder-lhe o pescoço, mas é interrompido por Jannid e Andora que chegam por trás, atacando-o.
Ao se defender ele solta o rato.
            - Rat! – Jannid chama o homem-rato, revelando seu nome.
            Hugh se vê cercado por Rat e pelas duas. De um lado do corredor, de onde ele vinha com Lucas, surgem Adam Clastern e Fuller. Do outro Vaughn Krieg. Hugh ameaça algum movimento, mas Rat, Jannid e Andora reagem, prontos para atacá-lo.
            - Você vai se meter numa séria encrenca se permitir que meu Coronel seja aniquilado de tal forma selvagem, principalmente dentro da Casa Ergen. – diz Krieg ameaçando Adam.
            - Não tenho intenção alguma de que essa batalhe se prorrogue por mais um único movimento. – diz Adam mantendo sua típica tranquilidade – Apenas vim pegar algo que creio me pertencer – Adam apenas olha para Lucas.
            - Hugh... – Krieg chama-o.
            - Eu não estou derrotado! – Hugh bufa de raiva – Eu consigo perfeitamente derrotar os três!
            - Indiferente! – Krieg adiciona mais energia à sua voz – Estamos indo...
            Os dois deixam o local. . Adam entrega uma mochila a Rat de onde ele tira um par de calças, coturnos e um sobretudo, que veste, já assumindo uma aparência totalmente humana, revelando ser o mesmo rapaz que acompanhava Adam naquela manhã, quando procurou Mandor antes de deixar a Kalmasia. Jannid e Andora, ao mesmo tempo, se adiantam a Lucas, na intenção de ajudá-lo a se levantar. O mesmo demonstra pavor das duas. Jannid fica chateada com tal reação, enquanto Andora extremamente ofendida.
            - Deixe-me te ajudar a levantar, filho... – diz Adam estendendo-lhe a mão.
            Lucas aceita a ajuda de Adam, principalmente por ter consciência de que não conseguia andar direito sozinho. Porém, as palavras de Hugh e sua profunda cicatriz não saíam de sua cabeça. Ele não conseguia deixar de tentar imaginar que tipos de experiências horrendas aquelas pessoas fariam e o que poderia acontecer a ele dali para a frente.


*          *          *


            O ninho Romerna se assemelhava muito a um quartel general, porém, como um castelo medieval, havia um pátio aberto em seu centro. Por ser dia era de se esperar que tal pátio estivesse abandonado, mas essa não era a realidade. Como numa instalação do Exército, soldados iam de um lado para o outro, ora carregando objetos, ora entretidos com outras atividades. Todos estavam com o corpo totalmente coberto por suas fardas. Tais fardas eram pesadas e isolavam totalmente o corpo da luz solar. A cor predominante era o preto, mas haviam vários detalhes em um tom escuro e metálico de verde. Essas eram as cores que representavam a Romerna. Os soldados também usavam óculos especiais, que protegiam os olhos do sol e os permitia enxergar na luz do dia.
            Um furgão adentra o ninho, estacionando no pátio central. Descem duas pessoas utilizando as mesmas fardas. Confiantes, caminham em direção a uma porta. Ao passarem por ela, seguem por um corredor que termina em uma espécie de vestiário. Os dois retiram os óculos e os capuzes que lhes cobriam as cabeças, revelando serem Krieg e Hugh. Abrem as fardas especiais e as tiram, sendo que por baixo dela ainda utilizavam suas roupas normais (que também eram fardas pretas e verdes), as mesmas que usavam na Casa Ergen. Um soldado se aproxima de ambos.
            - General Krieg, a Marechal ordenou que o senhor fosse vê-la imediatamente ao chegar. – diz o soldado, retirando-se em seguida.
            Krieg e Hugh caminham pelos incontáveis corredores do ninho Romerna, até chegarem a uma grande porta dupla ao final de um desses corredores. Krieg bate à porta.
            - Podem entrar. – responde uma voz masculina.
            Ambos adentram o recinto, onde um oficial se dirigia à porta.
            - Eu já estava de saída... – diz o dono da voz – Deixo os senhores a sós com a Marechal...
            O tal homem sai, deixando Krieg e Hugh com Marechal Sarah Dellano. Sentada à sua grande mesa de madeira maciça e granito, Sarah Dellano era uma mulher de meia-idade, imagina-se que seu último aniversário em vida foi de quarenta anos, não muito mais que isso. Loira, de longos cabelos ondulados que sempre mantinha presos, não era uma mulher muito bela, nem muito feminina, porém era vaidosa. Seus trejeitos eram levemente masculinos, seus traços do rosto bem marcados, mas estava sempre bem maquiada e bem vestida. Sua ascendência era visivelmente italiana. Seus lábios grandes e grossos quase eram capazes de disfarçar sua aparência mortuária, mas os cigarros que fumava incessantemente lhe deram em vida uma voz tão grave e cavernosa que a morte lhe caíra como uma luva. Sua sala parecia totalmente fora de contexto naquele ninho, pois era uma mistura de escritório com biblioteca, porém com muitos toques femininos, mas sem frescuras.
            - Primeiramente queria informar-lhes que estou a par de que as negociações com os juízes da Casa Ergen parecem ter sido um tanto quanto abaladas devido aos últimos acontecidos... – diz ela.
            - Estava indo tudo bem, de início... – diz Krieg, hesitante – Porém Adam Clastern apareceu no meio do julgamento.
            - Como assim? O que ele estava fazendo lá?
            - Não sei, Marechal. – diz Krieg – Ele deve ter desconfiado de alguma coisa...
            - Não acho isso suficiente, General. Alguma coisa o fez ter um pouco mais do que apenas uma desconfiança para tirá-lo do ninho Kalmasia e ir lá resolver a situação pessoalmente em pleno dia. Eu preciso de uma explicação.
            - Infelizmente, senhora, não tenho nenhuma.
            Sarah sempre fazia a mesma expressão quando começava a perder sua paciência, que já era bem curta por natureza: ela forçava os músculos dos cantos dos lábios, fazendo-os se destacarem ainda mais em seu rosto, por estarem contraídos; a maçã de seu rosto se elevava um pouco, espremendo o olho, trazendo para baixo consigo a sobrancelha, enquanto a outra sobrancelha se elevava, fazendo com que tal olho se arregalasse.
            - Coronel, o senhor por acaso teria alguma explicação para mim? – ela pergunta já entre dentes.
            - Havia um rato informante, senhora! – diz Hugh, intimidado.
            - Um rato? – ela demonstra-se por demais curiosa.
            - Sim, senhora. – Hugh continua – Percebi esse rato me observando enquanto eu conversava com Lucas Connor na enfermaria e, mais tarde, quando eu estava tentando sequestrá-lo, esse rato revelou ser uma criatura à serviço da Kalmasia.
            - Um rato que trabalha para a Kalmasia? – Sarah estava intrigada.
            - Sim senhora, eu creio que seja o mesmo rato...
            - Sim, sim! Também imaginei isso! – ela corta essa parte e vira-se para Krieg novamente – O senhor não viu nenhum rato durante o julgamento esta manhã, General?
            - Não senhora, não vi rato algum. – ele responde prontamente.
            Sarah fecha os olhos, respira fundo e reabre-os novamente com um falso sorriso, trêmulo, enquanto falava pausadamente:
            - General Krieg, por acaso não haveria a possibilidade de um rato ter passado por ali em algum momento?
            Sarah Dellano era a única pessoa que alguém poderia citar ser capaz de intimidar o temido Vaughn Krieg. O último estava inseguro, parecia não saber o que responder e isso o fazia gaguejar:
            - Eu... Eu creio... Sim! Eu creio que sim, é possível...
            Sarah fecha a cara de vez e, em grande velocidade se aproxima de Krieg, lhe esbofeteando o rosto.
            - É claro que é possível, seu incompetente! – ela cospe marimbondos – Tão possível que foi o que realmente aconteceu! Esse tal rato viu o que acontecia durante o julgamento e delatou tudo a Adam Clastern que foi correndo até lá!
            - Absolutamente, senhora. – Krieg abaixa a cabeça, humilhado – Perdoe minha falta de observação.
            - Eu não busco por desculpas ou justificativas, General! Nós somos a Romerna, os mais fortes, hábeis e resistentes de todos os nosferatus! A Romerna é conhecida como as Forças Armadas entre todos os clãs existentes e isso significa que somos um Exército. Porém, para sermos um bom Exército não basta apenas termos músculos, todos precisamos ser inteligentes, pois setenta e cinco por cento da vitória em uma batalha consiste em sua estratégia e para elaborar boas estratégias é preciso ter inteligência. – ela abranda o tom de sua voz – Vaughn Krieg, o senhor é o melhor e mais respeitado General de todo o nosso clã, mas eu preciso impreterivelmente que o senhor passe a agir com mais inteligência!
            - Sim, senhora! – ele se prontifica – Prometo que não irei decepcionar.
            - Realmente espero, General. – ela continua – Espero que tal retaliação na frente de seu Coronel seja humilhação suficiente para garantir que o senhor não me decepcione novamente, pois estamos no meio de um jogo extremamente delicado aqui. Não temos espaço para falhas.
            - Sim, senhora! – Krieg bate continência e seu olhar se perde por alguns segundos.
Durante esses poucos segundos algumas coisas ficam visíveis em seus olhos vermelhos: que ele realmente não deixaria espaço para falhas dali para frente. Não apenas para falhas, mas também para piedade e misericórdia.


*          *          *


Vaughn Krieg e Hugh Xavier caminhavam novamente pelos corredores da Romerna, mas dessa vez a passos firmes e pesados, sentindo ainda o peso das palavras de Sarah. Krieg ainda sentia-se humilhado, tão humilhado que por várias vezes passou pela sua cabeça a idéia de eliminar Hugh, apenas para que não houvesse mais testemunha do ocorrido com Sarah Dellano minutos atrás.
- Espero que esteja ciente de que se dizer uma só palavra do acontecido para alguém e por alguém eu quero dizer qualquer um, eu juro que você terá a chance de ver novamente aquilo que não vê há séculos!
Hugh sente-se ameaçado, pois entende que por essa expressão Krieg se referia à luz do sol.
- General, meus votos ao senhor continuam os mesmos desde o início: total fidelidade e serventia. – diz Hugh, tentando não demonstrar-se ameaçado.
- Bom, garoto. Muito bom... – Krieg retoma – Nós não podemos fracassar, eu preciso saber todas as informações que conseguiu coletar com o humano.
- Não tive tempo de conseguir nada concreto. Descobri apenas que o próprio Lucas não fazia nem idéia da nossa existência e se considera um qualquer, apenas um universitário trabalhando em um bar para pagar suas contas...
- Isso tudo é muito estranho... – Krieg divaga – Fuller não enviaria seus garotinhos de ouro numa missão tão arriscada quanto essa de coletar pessoas qualquer pela cidade para uma transformação clandestina. Alguma coisa muito especial eles devem ter para Fuller os querer tanto!
- Nossos oficiais que vêm seguindo as equipes de Fuller não conseguiram nenhuma informação adicional.
- Nós precisamos ter acesso a pelo menos um deles. Como foi a desestruturação psicológica com o tal Lucas?
- Com certeza consegui atingir o objetivo de deixá-lo desconfiado da Kalmasia. Creio que serei capaz de trazê-lo comigo numa próxima oportunidade. A parte difícil será ter acesso a ele novamente.
- Então seguiremos os conselhos do Marechal: vamos elaborar uma estratégia... – Krieg encara Hugh com um sorriso quase diabólico – Tenho um plano.


*          *          *


História original: Mário de Abreu
Escrito por: Mário de Abreu e Junim Ribeiro
Colaboração: Léo Borlido

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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Cap. 01 pt. III - Transformação. Nosferata Vol. I - Guerra de Sangue: Sociedades

NOSFERATA

VOLUME I – GUERRA DE SANGUE: SOCIEDADES

CAPÍTULO 01 – TRANSFORMAÇÃO pt. III


Leia aqui ou baixe em pdf:
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            Andora voltava para a sala onde deixara Lucas. Ao abrir a porta, depara-se com a maca vazia. Antes que tivesse tempo de dizer palavra, Lucas surge de trás da porta segurando uma cadeira com a qual golpeia Andora no rosto, com toda a força possível. Ela cai e ele corre.
            O corredor por onde ele corria parecia interminável. Havia um acesso à direita e ele resolve ir por ali. Dá de cara com Jannid.
            - Me ajuda... – ele suplica.
            Jannid parece ter dúvidas, mas em instantes ela expõe suas presas e morde o próprio lábio, que começa a sangrar. Ele se assusta com aquilo, mas imediatamente ela o agarra e morde seu pescoço. Lucas grita. Andora chega e se depara com Lucas nos braços e dentes de Jannid.
            - Você mordeu minha prole!
            - Você o deixou escapar... Não era mais seu. – diz Jannid com o sangue de Lucas ainda escorrendo-lhe pela boca.
            Lucas parecia ter convulsões. Ele começa a debater-se.
            - O que está acontecendo? O que você fez? – pergunta Andora.
            - Nada! Nada além de mordê-lo. Você já o havia mordido?
            - Eu? Foi você quem o mordeu!
            - Isso não tem a ver com a mordida. Não diretamente. Você não...
            Ambas se lembram que Andora havia dado indelina para Lucas anteriormente, um veneno que age como paralisante.
- Eu usei só um pouco pra conseguir tirá-lo do bar com mais facilidade... – diz Andora defendendo-se.
            - Sua estúpida! A indelina é originada da nossa saliva, quando eu o mordi, ele com certeza absorveu mais e está tendo uma overdose.
            As convulsões de Lucas se tornam mais fortes. Jannid tenta controlá-lo.
            - Vá chamar alguém! Chame o Fuller!
            Fuller logo surge.
            - O que querem de mim? – ele vê Lucas – O que aconteceu?
            - Ele está tendo uma overdose de indelina. – diz Andora apressadamente – Essa idiota mordeu a minha prole.
            - E essa inconsequente aplicou indelina nele, senhor. Então com minha saliva...
            - Ele vai morrer se não fizermos algo! – diz Andora interrompendo as explicações de Jannid.
            - Suas irresponsáveis! – Fuller pensa em retalhá-las, mas percebe a urgência da situação e deixa isso pra depois – Vou ter que levá-lo à Casa Ergen imediatamente e vocês duas virão comigo para se explicarem. Vá se limpar, Jannid. E seja rápida!


*          *          *


            Mandor estava em uma sala com Trevor. O último estava amarrado, mas Mandor lhe tira a mordaça.
            - Já sabe: se gritar eu amordaço de novo. – diz Mandor.
            Breve silêncio.
            - Quem é você? Ou melhor o que é você, exatamente? – pergunta Trevor com uma tranqüilidade forçada.
            - Tente um palpite. E por favor, não diga alienígena ou experiência secreta do governo. Essas coisas não existem.
            - Você está vivo?
            - Teoricamente não.
            - Como eu vou saber então? – Trevor começa a se alterar – Fantasma, zumbi, sei lá! O que é você?
            - Calma... Você já viu um zumbi?
            - Você quer dizer, de verdade? – Tentando se acalmar, ou pelo menos parecer calmo.
            - Sim.
            - Não, nunca.
            - Então como pode achar que eu sou um se nunca viu?
            - Ah, sei lá! Nos filmes...
            - Esqueça os filmes, filho. – Mandor fica sério – Neles somos retratados como seres impulsivos e predatórios por natureza, absolutamente sem sentimentos ou consciência. Isso não é verdade. Não somos predadores sadistas como nos retratam. Podemos viver bem até três meses sem consumir sangue, mas para estar na plenitude de nossos poderes é necessária uma – Mandor faz uma pausa e tenta retomar seu ar sarcástico – refeição por semana...
            - Então você é um vampiro... – Trevor diz em tom de voz baixo, porém demonstrando medo.
            - Nosferatu é o nome correto.
            - Eu nunca acreditei que vocês realmente existissem. Embora não sei porque, sempre sinto que muita coisa estranha existe.
            - Obrigado. Nos esforçamos muito para isso.
            Trevor para rapidamente.
            - Você costuma ser agradável assim com todas as suas refeições? – pergunta arrancando risos de Mandor.
            - Você não é uma refeição!
            - Não? – Trevor demonstra ter ficado feliz – O que quer de mim então?
            - É a refeição do meu pai!
            Trevor logo se desespera novamente, arrancando mais risos de Mandor.
            - Mentira, Trevor. – diz Mandor – Ninguém vai te transformar em jantar aqui não. Aliás, beber o sangue de uma pessoa para nos alimentarmos e matá-la são duas coisas que não têm nada a ver uma com a outra.
            - Sério?
            - Sim. Existem outras consequências, mas a morte pode muito bem ser evitada.
            - Reconfortante saber que alguns então matam por puro esporte. – Trevor responde com ironia.
            - Esporte ou inexperiência. Acontece com todos nós quando somos transformados. É preciso ter bastante controle para não drenar todo o sangue da pessoa. Enfim, não é um passado do qual nos orgulhamos, mas foi necessário para nossa formação até aqui. Como aquelas experiências idiotas da adolescência...
            - Mas um adolescente fumando um baseado é bem diferente, não drena o sangue de uma pessoa levando à morte!
            - Trevor, as coisas são assim, funcionam assim, quer você concorde, quer não. – Mandor corta o assunto.
            - Tá certo. Agora que tal cortar o papo furado e me dizer o que eu estou fazendo aqui? – Trevor diz enfurecido tentando se soltar.
            - Isso não vai adiantar de nada, fique calmo. Você saberá na hora certa.
            Breve silêncio.
            - Uma dúvida. – diz Trevor cortando o silêncio.
            - Qual?
            - Aquela história de só entrar se for convidado também é historinha de filme?
            - Não, é verdade.
            - Então você se contradiz.
            - Por quê?
            - Eu nunca te convidei a entrar no meu prédio, contudo, eu já estava lá dentro quando você entrou e me pegou.
            - Na verdade eu entrei antes de você, você que não viu.
            - E entrou sem convite?
            - Como pode ter tanta certeza? – Mandor mostra-se enigmático – Você não é o único morador daquele prédio. Aliás, a Sra. Bailey é uma velhinha muito simpática.
            - Você foi convidado...
            - Escuta, Trevor. É bom que você já comece a aprender. Existe uma lei chamada Lei Párea que rege os Nosferatus. É ela que nos impede de entrar na casa de alguém sem convite e é graças a ela que os Homens têm um único lugar totalmente seguro de nós: as igrejas.
            - O que é a Lei Párea? E que historia é essa de que eu tenho que aprender?
            - Párea significa sem pátria. Quando se deu a criação dos Nosferatus, nós recebemos a maldição de vagar eternamente pela Terra sem direito a um lar, uma morada. Logo, isso nos impede de adentrar qualquer lugar que seja a morada de alguém. Podemos entrar livremente em qualquer lugar desde que ninguém more nele. Aqui onde estamos não passa de um ninho, um teto para nos proteger principalmente do dia. Podemos até chamá-la de casa, mas um lar de verdade nunca poderemos ter. Porém, é muito fácil para um Nosferatu induzir um mortal a nos convidar a entrar, qualquer sinal pode ser interpretado como convite. Por isso costumamos dizer que quando um mortal adentra sua casa, ele não fugiu de nós, apenas ganhou algum tempo. O único lugar em que vocês realmente estão seguros é numa igreja.
            Mandor responde ignorando a segunda pergunta. E Trevor fica tão curioso com a resposta que simplesmente cai no jogo de Mandor:
            - Por que as igrejas?
            - Porque elas são a morada de Deus. Sendo assim, não conseguimos entrar e para fazê-lo precisaríamos de um convite Dele pessoalmente, o que eu acho um pouco difícil. – diz mostrando no rosto seu inseparável sorriso sarcástico – Agora descanse. A noite será cheia de novidades.


*          *          *


            - Me solta! Eu quero sair daqui!
            Amarrada a uma cadeira, Kayla gritava e se debatia, tentando soltar-se. Ron a olhava como quem se divertia com aquilo.
            - Quem é você, seu cretino? – Kayla cuspia marimbondos.
            - Meu nome é Ronald Campbell, mas todos aqui me chamam de Ron. Mas pra você pode ser xuxuzinho...
            - Vai se fuder!
            - Olha que boca suja... – Ron não mudava o semblante debochado – Aqui nesta casa nós não aceitamos esse tipo de comportamento de baixo nível. Nós fazemos parte de uma elite e temos uma reputação a zelar.
            - Quem são vocês? E onde eu estou?
            - Bem-vinda à Kalmasia, Kayla. – Ron se levanta – Um dos mais importantes clãs Nosferatu do mundo. Esta é a matriz de nossas moradas, que chamamos de Safira.
            - O que vocês querem de mim?
            Mandor adentra o quarto.
            - Pediu para me chamarem? – pergunta Mandor, que em seguida olha para Kayla – Ela é realmente linda...
            - Verdade, não é? – Ron sorri para Kayla – Bom, pedi para avisarem ao Fuller, na verdade. Agora que Kayla já está aqui podemos começar...
            - Ele saiu – Mandor responde brevemente.
            - O que aconteceu?
            Mandor chama Ron em um canto e começa a cochichar. Enquanto eles conversavam, Kayla consegue ir afrouxando as cordas que a amarravam.
            - Então ele teve que ir com os três até a Casa Ergen. – Mandor conclui.
            Um leve ruído.
            - Espera, você ouviu isso? – pergunta Ron.
            Ambos se viram para Kayla e encontram apenas a cadeira vazia.
            - Merda! Ela é silenciosa! – diz Ron correndo para fora da sala.
            - Vocês e essa mania de achar que eles são tão frágeis que mal devem ser amarrados! – Mandor pega as cordas e as cheira. Fecha os olhos e começa a farejar.

            Kayla adentra um quarto que estava a meia-luz. Fecha a porta, mas demora a virar-se para o interior da sala. Haviam dois homens e uma mulher. Os três extremamente belos e bem vestidos. Bonitos e elegantes, aquela visão parecia enfeitiçar Kayla. Os olhos muito claros, os lábios sem cor e a pele alva como neve. Os três lentamente caminhavam em direção a Kayla.
            - Que cheiro delicioso... – um dos homens até revira os olhos ao respirar fundo.
            - E vejam essa pele. Como deve ser macia... – comenta a mulher...
            - Seu coração disparou, criança... – diz o segundo homem – Não precisa ter medo...
            Kayla não raciocinava. Ela apenas olhava-os nos olhos e sentia uma sensação estranha. Sentia-se flutuar, mas ao mesmo tempo sentia-se pesada. Era uma sensação que se assemelhava a uma anestesia. Ela se entrega àquilo e a mulher lhe pega as mãos. Que mãos geladas ela tem! Enquanto a mulher lhe segurava as mãos, por trás, os homens vinham um de cada lado. Quando Kayla está a ponto de se entregar àquele desejo, Mandor e Ron invadem o quarto exibindo suas presas e garras afugentando os três, que, também exibindo suas presas e garras, se agarram nas paredes, escalando-as como répteis. O pé-direito era bem alto, tendo o teto escondido na penumbra. A certo ponto em que os três subiam, se escondem na escuridão, sendo seus brilhantes olhos brancos as últimas coisas a desaparecerem. Kayla volta a si. Mandor e Ron estavam novamente com aparência normal.
            - O que aconteceu aqui? – ela pergunta, ainda desnorteada.
            - Você não deveria ter fugido. – diz Ron – A mansão ainda não é segura para você...
            - O que vocês são?
            - Seu irmão sempre esteve certo, Kayla. – diz Mandor – Nós realmente existimos.


*          *          *


            O interfone toca no apartamento de Jared. Ele atende.
            - Jared, é o Dylan.
            Jared ia abrindo, mas hesita:
            - Da última vez minha irmã foi encontrar com você e foi levada por outra pessoa. Como eu posso confiar que é você mesmo?
            - Como assim?
            - É, isso mesmo! – Jared não sabia exatamente o que pensar – Como eu vou saber que é você mesmo?
            - Sei lá! – Dylan não sabia como convencê-lo – Olhe pela janela, verá que sou eu...
            - Tá... – Jared larga o interfone e corre para a janela.
            Da janela, Jared vê Dylan no meio da rua, acenando os braços.

            Ambos estavam sentados à mesa, sem dizer palavra. O primeiro a cortar o silêncio é Jared:
            - Ela achou que era você...
            - Hã?
            - Ela achou que era você... No telefone.
            - Mas não fui eu... Olha, eu juro, minha família toda é testemunha que eu estive em casa desde a hora que me despedi dela até o momento em que você ligou. Eu nunca seria capaz...
            - Dylan, eu realmente não acredito que você tenha algo a ver com isso. O que me chama a atenção é o fato da Kayla ter realmente acreditado que era você no telefone. Eu digo, ela reconheceria sua voz e não achou sequer que estava estranha. Ela atendeu o telefone na minha frente. Ela não achou nada estranho. Apenas o fato de você querer encontrá-la lá embaixo às duas e meia da manhã.
            - Você quer dizer o quê? Que quem quer que tenha ligado para ela...
            - Quem quer que seja, soube imitar sua voz de maneira idêntica.
            - E de acordo com o que você viu, imitar vozes não seria o único talento dessa pessoa.
            - Não. Esse cara, seja lá quem for, também sabe desaparecer...
            - Tá, sabe o que eu acho, Jared? Você vê filmes demais...
            - Se você não acredita em mim tá fazendo o quê aqui?
            - Vim te pegar pra você prestar depoimento à polícia.
            - A polícia só vai considerar o desaparecimento dela depois de um dia ou dois, não sei exatamente. E com certeza eles serão muito mais descrentes do que você.
            - Sabe o que acontece? Sua irmã foi sequestrada e você insiste em associar isso a essas malditas histórias de vampiro nas quais você é viciado!
            - Você nem me conhece! Como fala assim?
            - Sei muito mais sobre você do que você mesmo imagina. Eu namoro a sua irmã, esqueceu?
            - Ela te disse isso?
            - Disse. Ela vive muito preocupada com você por isso. Tem medo de que acabe louco por causa dessas besteiras.
            Jared ri com deboche:
            - Eu alertei ela hoje mesmo e olha só o que aconteceu... Espero que não tenha que acontecer o mesmo com você para que você passe a acreditar.
            - Olha, Jared, eu não duvido da existência de nada sobrenatural. – Dylan fala em tom suave, mas firme – Acredito sim que possam existir fantasmas, extraterrestres, vampiros, bruxas, lobisomens... Até mesmo duendes! Eu só nunca pude ver uma prova concreta de que eles realmente existem. E enquanto eu não tiver essa prova, eu simplesmente considero que, em primeiro lugar, qualquer coisa que acontecer é resultado da ação humana e não sobrenatural.
            Jared chama Dylan em seu quarto. Liga o computador e começa a mostrar várias reportagens que tem salvas. Cada qual datava de uma época diferente, desde o século XIX até os dias atuais. De várias partes do mundo, absolutamente todas falavam de corpos encontrados completamente secos, com o sangue todo drenado. No pescoço sempre eram observados dois pequenos orifícios. Unanimemente nas reportagens, tais crimes não tinham solução.
            Ao lado do computador, haviam livros e revistas. Jared pega um grosso livro intitulado “Guia das Trevas”. Era um daqueles supostos livros clichês, escritos por charlatões que se intitulavam magos ou estudiosos do ocultismo e tinham vários símbolos místicos desenhados na capa. Jared folheia até encontrar o que queria: páginas e páginas sobre o mesmo tipo de crime das reportagens.
            - Não acredito que esse tipo de coisa seja coincidência, Dylan... Eu acredito que esses crimes sejam originários de um ataque vampírico.
            - Tá, mas não quer dizer necessariamente que o cara que levou a sua irmã seja um deles.
            - Mas definitivamente, sendo o que for, é com isso aqui que o encontraremos!
            Jared ergue o livro, mostrando novamente a capa para Dylan.
            - Nada de polícia, Dylan. Para conseguir salvar minha irmã, temos que ser você e eu.


*          *          *


            Fuller, juntamente com Andora e Jannid, haviam levado Lucas à Casa Ergen. Essa casa se trata de uma sociedade na qual alguns clãs nosferatus se reúnem, uma espécie de governo central. Em casos de overdose de indelina, apenas a Casa Ergen tinha os recursos necessários para o tratamento.
            Lucas estava deitado sobre uma maca em uma sala que se confundia com hospital e necrotério. Um médico, nitidamente vampiro, tira as luvas e vai até a porta, onde Fuller aguardava.
            - Vai ficar tudo bem. – diz o médico – A super dosagem foi em níveis tratáveis. Quando acordar ele estará em estado bastante confuso, pois a mordida parece ter sido interrompida antes da cicatrização.
            - O senhor acha que isso pode influenciar um elo mental entre os dois?
            - Gal. Fuller, durante uma mordida a um mortal que será transformado, nós temos que incumbir esse elo mental, certo?
            - Correto.
            - No momento em que mordemos, criamos esse elo. Após sua conclusão, o próprio ato de retirada das presas inicia um processo de rápida cicatrização das feridas da mordida, para evitar o sangramento. O momento dessa cicatrização sela, conclui esse elo mental, fazendo-o existir plenamente à partir de então. Como eu pude observar, a mordida não estava cicatrizada, ou seja, ela não foi feita da maneira adequada e ainda, foi interrompida antes de seu fim. Porém, não tenho como medir, só Jannid é capaz de responder por quanto tempo ela o mordeu antes de ser interrompida e se teve tempo para iniciar o elo mental.
            - Caso ela tenha iniciado...
            - Asseguro que noventa por cento das chances é de se ter criado um elo problemático.
            Dito isso o médico se retira. Antes que Fuller tivesse a oportunidade de falar com Jannid, uma mulher se aproxima.
            - Gal. Fuller, os juízes já os aguardam. – diz ela – Por favor, me acompanhem.
            Ela encaminha Fuller, Jannid e Andora até uma sala onde, numa enorme mesa oval, em uma ponta se sentavam dois senhores de idade, trajando mantas negras e, na outra, três cadeiras os aguardavam.
            - General Gerald Fuller. – inicia um dos juízes – Membro da Casa Ergen, pertencente ao clã Kalmasia, morador do ninho Safira.
            - O que temos aqui é um caso bastante complicado. – continua o outro – Várias violações em série: levar um mortal para o ninho e ainda permitir sua fuga, uso abusivo de indelina em um mortal, transformação não autorizada, apropriação de prole alheia, mordida infligida de maneira errônea... E para encerrar, traz o mortal para a Casa Ergen, a sociedade de nosferatus mais bem organizada existente e a que mais se preocupa com o sigilo e anonimato de nossa espécie!
            Os dois juízes se mostravam extremamente nervosos.
            - Essa era para ser apenas uma audição em termos justificativos para uma intervenção em caso de overdose de indelina, Gal. Fuller. Mas devido à complexidade de todo o contexto, teremos que aplicar seu depoimento a uma promotoria...
            Fuller fica tenso. Jannid e Andora sentem a gravidade do que fizeram.
            - Convido para compor a promotoria o General Vaughn Krieg. – anuncia um dos juízes.
            Krieg, o General do clã Romerna com quem Fuller tem uma épica inimizade, entra sob os olhares assustados do réu e Jannid. Ele carrega um leve sorriso maldoso no rosto ao olhar para Fuller.


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Próximo post: 0h do dia 22/02 (terça) p/ o dia 23/02 (quarta)

História original: Mário de Abreu
Escrito por: Mário de Abreu e Junim Ribeiro
Colaboração: Léo Borlido