Nosferata

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quarta-feira, 2 de março de 2011

Cap. 02 Pt. II - Minha Casa - Nosferata Vol. I Guerra de Sangue

 
NOSFERATA


VOLUME I – GUERRA DE SANGUE: SOCIEDADES


CAPÍTULO 02 – MINHA CASA pt. II

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            O sol acabava de raiar quando Alice Parker acorda em sua cama. Levanta-se e lentamente caminha até uma porta, que dava para a varanda, abrindo-a por completo. Sua mãe dormia em uma cadeira, do outro lado do quarto e acorda sobressaltada com a luz que adentrava.
            - Como você se sente, minha filha? – pergunta Margareth.
            Alice a encara, como a procurar uma resposta. Margareth nota um vazio em seu olhar, que logo se perde em meio aos pensamentos da garota. Alice parecia se perder.
            - Então, como se sente? – Margareth insiste.
            - Não sei... – Alice era vaga.
            - Mas você não se sente feliz, alegre, com vontade de viver e apreciar as belezas do mundo? – Margareth se lembrava das palavras de Livius e Baltus na noite anterior.
            - Pra falar a verdade, não. – diz Alice, ainda olhando para o nada – Eu... Eu não sinto nada, é como se nada fizesse diferença.
            - Minha filha, se dê tempo. Pare para ouvir os pássaros cantando e sentir o perfume das flores...
            - Estou me sentindo nua e suja. – diz Alice, apática, ignorando as palavras da mãe.
            - Então vá tomar um banho, filha. Eu vou queimar essa sua camisola e as roupas de cama que você usou esses dias. Quando você sair do banho já vou ter separado roupas limpas para você usar.
            Margareth parecia animada, enquanto observava a filha se dirigindo ao banheiro. Imaginava que tal vontade de tomar um banho fosse o início de sua recuperação pelo apreço à vida.

            Alice ficara um bom tempo sob o chuveiro desligado, com a mão repousada sobre a torneira, pronta para abri-la, porém, imóvel, apenas pensando em algo que nem ela própria saberia dizer do que se tratava. Quando finalmente resolve abrir, deixa a água escorrer por seu rosto. Ela fecha os olhos na intenção de tentar se lembrar de algo, pois tinha a sensação de ter a cabeça vazia também, como se não lhe restasse mais memória alguma. Quanto mais ela tentava se lembrar de algo, mais uma única imagem se repetia em seus pensamentos: Padre Livius.


*          *          *


            O sol já havia nascido plenamente quando Dylan acorda. Vê-se na casa de Kayla, no sofá da sala, onde dormira conversando com Jared, que havia dormido à mesa, sobre o livro que mostrava a ele. O último levanta-se e acorda Jared com um tapinha na nuca. Jared acorda assustado.
            - Acorda logo porque vamos à polícia. – diz Dylan.
            - Polícia? – Jared se espanta – Você perde a memória depois que dorme, é? Não prestou atenção em nada do que eu falei ontem?
            - Em primeiro lugar, ao contrário de você eu nem dormi, só dei uma pescada agora há pouco. E o seu plano... Então, o seu plano parece ser bem mirabolante, mas nem um pouco eficaz.
            - Mas você não está dando sequer a oportunidade de tentar.
            - Uma esotérica não vai ser capaz de nos apontar caminho algum!
            - E você acredita que a polícia vai ser?
            - É o que se espera dela. E afinal, supondo bem de longe que a Kayla realmente esteja entre vampiros, você acha mesmo que nós conseguiríamos resgatá-la antes que ela fosse morta por eles?
            - Eu também tenho essa dúvida, Dylan, mas se deixarmos essa história por conta da polícia, isso vai se tornar uma certeza e uma bem negativa.
            - Mas não vamos nos esquecer que ainda há a possibilidade de serem sequestradores normais.
            - Sequestradores normais não seriam capazes de imitar sua voz com tanta perfeição e nem de desaparecer nas sombras.
            Jared percebe na expressão de Dylan um certo olhar que ele já conhecia muito bem: era uma mistura de recriminação e dó, como quem obviamente discorda de tudo o que ele diz, mas ao mesmo tempo tem pena por vê-lo acreditar tão piamente naquilo. O olhar de Dylan era de quem tinha vontade de chamá-lo de louco, mas ele relutava.
            - Dylan, eu nunca seria capaz de arriscar a vida da minha irmã, a única pessoa que me resta de família, por conta de uma grande viagem ou um devaneio. – diz Jared em tom de voz calmo – Eu sei o que eu vi e tenho certeza do que era. Eu vou conseguir encontrar a Kayla dessa maneira.
            - Tá bom, mas vamos começar logo, então... – diz Dylan, respirando fundo, vencido pelo argumento.
            - Está cedo ainda, tente deitar e descansar um pouco. O dia vai ser cheio e não vai adiantar nada sairmos cedo assim.
            No fundo, Dylan sentia que estava tomando a pior das decisões, mas não conseguia evitar. Também não conseguia dormir, apenas se acomoda no sofá e fica refletindo.


*          *          *


            Livius acorda com o badalar das seis da manhã. Levanta-se espreguiçando e sentindo as articulações dos braços e costas estralarem; dormira muito mal. Ao deixar seus aposentos, corre para ver Baltus. Ele chega à porta e encontra o padre sentado à cama, imóvel, com uma expressão séria e macabra no rosto. Livius se assusta e sente um forte arrepio percorrer-lhe a espinha: ele sente um medo repentino.
            - Baltus? – ele chama, temendo que houvesse alguma manifestação tomando o corpo do padre.
            Baltus nada responde. O que preocupa Livius.
            - Baltus... – o jovem padre insiste – Baltus!
            Ele reage como quem acorda assustado:
            - O que foi? – pergunta desorientado, começando a perceber a realidade à sua volta – Eu dormi nessa posição?
            - O senhor estava dormindo?
            A indagação de Livius deixa ambos preocupados, porém Livius não tem coragem de lhe perguntar o que de fato acontecia e Baltus, por sua vez, prefere discutir outros assuntos a render aquele.
            - Vamos. – diz Baltus levantando-se da cama – Precisamos descer...
            - O senhor consegue andar?
            - Infelizmente sim, sinto-me ótimo! – diz Baltus seguindo, evitando render outro assunto.
            O primeiro intuito de Livius seria de sorrir e dizer o quanto isso era bom, mas ele sabia que aquilo não era um bom sinal. Preferindo não dizer nada por não encontrar as palavras adequadas, Livius apenas o segue. Chegam ao grande salão da paróquia, onde a polícia já começava a tomar conta, averiguando os estragos. Alguns oficiais isolavam o interior da igreja com fitas de tarjas pretas e amarelas. Do lado de fora havia vários curiosos. Antes que alguém notasse a presença de ambos ali, principalmente de Baltus naquelas condições, envolto por tantas bandagens, ele puxa Livius de volta para dentro.
            - Não posso ser visto assim pelo povo. – diz Baltus, arrancando concordâncias de Livius – Vá lá e procure pelo Detetive Polski entre os oficiais da polícia. Chame-o aqui.
            Livius logo sai, à procura de Polski. Ao percebê-lo ali, as pessoas curiosas começam a chamar por seu nome, perguntando sobre o que acontecera e sobre Baltus. Livius olha em volta, para todas aquelas pessoas. Começa a sentir-se desorientado. Pelo o que sobrou de onde havia a porta, em meio aos destroços, ele tem a impressão de ver a mesma criatura horrenda que os atacou na noite anterior. Tenso e assustado, ele tenta olhar melhor, mas não o vê mais. Uma voz chama-o de volta à realidade:
            - Que bom vê-lo, padre. – era um dos oficiais, jovem, porém com ar sério e experiente – Eu precisava falar com o senhor, ou de preferência com o padre Baltus, com quem já converso habitualmente.
            - Infelizmente o padre Baltus não está se sentindo muito bem, ele me pediu que encontrasse o detetive Polski e levasse apenas ele para conversarem.
            - Que bom, então! – o homem estende a mão a Livius – Detetive Ian Polski.

            Livius retorna à sacristia acompanhado de Polski, que leva um susto ao ver Baltus com todas aquelas bandagens em sua cabeça. Após cumprimentar o policial, Baltus se dirige a um armário, o qual revirava entre portas e gavetas, à procura de algo.
            - Ontem à noite um taxista bêbado entrou com o carro desgovernado dentro da igreja. Provavelmente perdeu controle graças ao excesso de velocidade. – dizia Baltus enquanto ainda revirava o armário – Eu estava no altar nesse momento, orando. Tive sorte por não ter sido atingido pelo carro, mas os destroços de um dos bancos me acertaram. Depois disso o motorista fugiu, deixando o carro batido para trás...
            Baltus fica reticente. Livius já estava curioso demais à respeito do armário. Polski esperava pacientemente.
            - Ah! Aqui está! – Baltus se vira com um bolo de notas na mão, que encontrara no armário.
            O padre entrega todo aquele dinheiro nas mãos do detetive, fazendo Livius arregalar os olhos. Provavelmente, de todas as novidades desde a noite anterior, essa foi a que mais lhe chocou.
            - Vou chamar um perito para fazer um retrato-falado do taxista. – diz Polski – Mas o que eu devo fazer com relação ao túmulo violado?
            - Qual túmulo violado? – a surpresa de Baltus é grande, confundindo Polski.
            Sem hesitar, Livius põe-se à frente e ordena a Polski que mande recobri-lo de terra antes que os curiosos percebam. Polski, sem nada questionar, deixa a sacristia.
            - De qual túmulo vocês falavam? – pergunta Baltus assim que se vê à sós com Livius.
            - Nessa madrugada, às três da manhã, um corpo levantou-se dessa cova e saiu andando.
            A fisionomia de Baltus delata toda sua preocupação.


*          *          *


            Jared e Dylan andavam pelo que parecia ser uma movimentada rua do centro comercial da cidade. O primeiro carregava uma coroa de alho em torno do pescoço e uma estaca de madeira nas mãos.
            - Pelo amor de Deus, Jared! – diz Dylan morrendo de vergonha – Larga isso em algum lugar, por favor. Tá todo mundo olhando!
            - Se eu fosse você tratava de se proteger também, ao invés de se preocupar com o que esse monte de gente desconhecida está pensando. – responde Jared sem dar a mínima para Dylan.
            - Seja pelo menos coerente, é impossível para um vampiro nos atacar em plena luz do dia, caso eles realmente existam...
            - Nunca se sabe nessa história toda o que é apenas mito e o que é realmente verdade. – diz Jared com uma séria convicção que faz Dylan ter vontade de lhe bater – Vampiros vivem dentro da sociedade humana, provavelmente eles realmente podem andar durante o dia e são aquelas pessoas mais fofas e menos suspeitas...
            Eles param em frente a uma loja. O vidro da vitrine estava praticamente marrom, de tão sujo. Havia várias bugigangas esotéricas e ocultistas, que mal se podia ver graças à sujeira do vidro. Entre os artefatos expostos havia uma infinidade de bonecas de bruxas, de vários estilos e tamanhos. Dylan praticamente rezava pedindo a Deus para que aquele não fosse o tal lugar onde Jared queria levá-lo, mas percebe que suas preces não seriam atendidas quando o último o puxa para dentro da loja. Ao passarem pela porta, um daqueles penduricalhos com várias pedras toca um som agradável, anunciando a entrada de algum cliente, provavelmente. Do fundo da loja, vem uma mulher gorda, no ápice de seus quarenta anos, bonachona e de cabelos desgrenhados e mal tingidos. Em seu caminho até os dois, Dylan percebe haver prateleiras e mais prateleiras de entulharias, livros, velas, ervas e outros artigos que ele nunca havia visto em sua vida. Ele se incomodava com o forte cheiro de mofo do lugar, mas rapidamente esquece tal mal estar substituindo-o por outro ao avistar algumas facas, punhais e bonecos de vodu que eram vendidos acompanhados de alfinetes.
            - Secham bem-vindos ao meu lôja, garrotas. – diz ela com um forte sotaque impossível de se identificar a procedência – Eu ser Madame Liry, a poderrôssa...
            - Corta o teatro, Brooke. – diz Jared risonho – Sou eu!
            Brooke logo desarma até mesmo a pose, retirando o lenço estampado que usava cobrindo o rosto. Dylan quase não conseguia crer no que Jared julgava ser o melhor caminho para encontrar Kayla. Ele apenas conseguia pensar em maneiras para afastá-lo definitivamente de televisões.
            - Certo, querido... – diz Brooke com desdém – O que foi dessa vez?
            - Eu preciso encontrar um vampiro. – ele afirma sério.
            As feições de Brooke se transformam instantaneamente.
            - Jared, eu sempre pensei que a sua intenção era afastar os vampiros, mantê-los longe!
            - Normalmente seria sim, Brooke. Mas aconteceu uma coisa e agora eu preciso encontrar esse vampiro.
            Sem dizer nada, ela caminha rapidamente até a porta de entrada e vira uma placa, que antes anunciava que a loja estava aberta. Ela se volta novamente para os dois, fazendo um sinal para eles a acompanharem. Os dois a seguem até o fundo da loja.
            - Que loucura é essa de querer encontrar um vampiro, garoto? – pergunta ela em tom repreensivo – O que poderia ter acontecido para você ir atrás desse tipo de demônio?
            - Ontem à noite minha irmã foi sequestrada por um.
            - Você tem certeza? – ela sente a gravidade – Jared, podem ter várias outras possibilidades...
            - Brooke, eu tenho certeza! Eu vi.
            - E o que você pretende fazer se encontrá-lo?
            O silêncio de Jared denuncia que ele não tinha nenhum plano.
            - Os vivos não têm nenhum tipo de acesso aos lugares onde eles vivem, eu nunca saberia como encontrar um. – diz Brooke.
            - Algum modo existe, Brooke, nem que seja por feitiço!
            - Ah, já chega! – diz Dylan virando-se para a saída – Já vi muito desse circo, Jared! Eu não acredito como deixei você me convencer a perder todo esse tempo com essa baboseira!
            Jared fica sem reação. Brooke encara Dylan em silêncio, séria.
            - Você não acredita em nada disso, não é? – ela pergunta.
            - Nada! – Dylan enche a boca.
            - O universo segue uma espécie de balanço onde todas as energias tem dois tipos de movimento a realizar: entrar em harmonia com as semelhantes e em equilíbrio com as opostas.
            Dylan não entende bulhufas.
            - Nós, os homens, estamos todos na mesma metade de uma esfera, porém estamos em desarmonia com as outras energias. – ela explica – As energias que estão do nosso mesmo lado são, por exemplo, os animais e a natureza. Quando as energias de um lado dessa esfera entram em desarmonia, isso desloca o equilíbrio que há com as energias do outro lado.
            - E o que acontece? – Dylan pergunta com desdém.
            - Não sei. – ela diz – Só sei que vampiros deveriam estar do outro lado, mas agora eles estão aqui e não há mais como prever o que está por vir.
            - Isso tudo é a maior bobeira que já ouvi em toda a minha vida! – diz Dylan achando aquilo tudo extremamente inacreditável – Me desculpe, mas pra mim não passa de uma grande viagem de uma charlatã!
            Brooke arregaça a própria gola da blusa, mostrando seu pescoço: havia a cicatriz de dois furos, exatamente como as mordidas de vampiro que Jared mostrara em seu livro. Dylan fica perplexo, perdendo a fala no mesmo instante. Jared estava à beira de um orgasmo:
            - Como que aconteceu? Ele não te drenou? – Jared quase se pendurava no pescoço de Brooke.
            - Não sei... – diz ela escondendo a cicatriz com a blusa novamente – Foi muito rápido e não me lembro de muita coisa daquela noite. Me lembro do rosto de um homem, mas é uma imagem muito vaga, não consigo nem descrevê-lo direito...
            - Mas isso quer dizer então que você é capaz de encontrar um vampiro!
            Brooke caminha até o fundo da sala, onde havia uma estante com vários livros. Ela revira várias prateleiras, revelando que atrás das colunas de livros haviam outros escondidos.
            - A grande vantagem de ser uma pesquisadora do ocultismo é que provavelmente eu não conheço tudo o que é oculto, mas com certeza conheço algo que conhece. – diz Brooke ao puxar um livro com o título de "Sociedades Secretas".
            Jared e Dylan se projetam na direção do livro, como se intencionassem adentrá-lo.
            - Esse livro é o estudo de um antropólogo e um teólogo sobre as sociedades secretas mais importantes do mundo, entre elas a Maçonaria, a Rosa Cruz e até mesmo pequenas fraternidades de universidades de renome mundial. – diz Brooke – O que me chama mais a atenção nesse livro é que ele aborda uma sociedade da qual ninguém nunca ouviu falar e a explora da mesma forma que as outras...
            Folheando, Brooke chega ao título “A Irmandade da Chama Verde”.
            - A Irmandade da Chama Verde é uma sociedade secreta que existe desde o início da Idade Média, com berço numa cidadezinha do interior da Romênia de um nome tão complicado que eu nem consigo pronunciar... – Brooke explica – E hoje, essa sociedade já se espalhou pelo mundo inteiro. Seus membros são em maioria policiais, cientistas, historiadores, médicos e clérigos de toda sorte de religiões.
            - Mas o que te faz acreditar que eles sabem alguma coisa sobre vampiros? – pergunta Jared.
            - Em primeiro lugar, a região dessa cidade onde a Irmandade foi criada também é conhecida como Transilvânia.
            Brooke mostra a Jared dados que mostram a coincidência das atividades da sociedade com a incidência dos crimes de sangue drenado.
            - Cruzando toda a informação que temos sobre suspeitas de ações vampíricas, a história dessa Irmandade da Chama Verde se encaixa perfeitamente.
            - Eu quero esse livro. – diz Jared.
            - Isso é uma raridade, meu querido! – diz ela puxando-o para si – Não se sabe onde adquirir outro exemplar desse!
            - Mais um motivo! Dê um preço...
            - Jared, eu não posso vendê-lo...
            - Diz um preço.
            - Trezentos Euros. – ela responde sem titubear.
            Jared e Dylan engolem seco.
            - E de quanto é o desconto para os amigos? – ele pergunta risonho.
            - Amigos, amigos, negócios à parte. Você me conhece, Jared.
            - Mas eu não tenho esse dinheiro todo... – diz ele decepcionado.
            Silêncio. Brooke estava irredutível. Jared começa a encarar Dylan, que também não conseguia crer na falta de companheirismo de Brooke naquele momento. Demora alguns segundos até Dylan perceber que a cara de cachorro abandonado de Jared sugeria que ele lhe desse o livro.
            - Não! Não mesmo, não senhor! – diz Dylan – Eu não vou pagar esse preço absurdo num livro velho só pra seguir o palpite de uma doida!
            Brooke fica indignada.
            - Pensa na Kayla, Dylan! – diz Jared – Esse livro pode nos levar direto a ela!
            Dylan sabia que Jared estava absolutamente certo ou redondamente enganado. Mas o fato de se pegar nessa dúvida o incomoda. Ele parecia estar começando a dançar aquela música louca e se sentia um louco de fato. Jared continuava olhando-o.
            - Tá bom, eu compro o livro! – diz Dylan a contra-gosto, sem acreditar piamente que o tal livro pudesse realmente levá-los a algum lugar.
            Após receber o dinheiro, Brooke lhes entrega o livro e os acompanha até a saída.
            - Os alhos e as estacas você deveria deixar aqui. – diz Brooke a Jared.
            - Por quê?
            - Se você realmente encontrar um vampiro em sua busca, não vai querer que ele o veja com tantas armas na mão. – ela diz – Além disso, enquanto estiver andando na rua, chamando a atenção com tudo isso, você nunca vai encontrar um.
            - Realmente... – diz ele deixando os apetrechos sobre o balcão da loja e saindo em seguida.
            Dylan ia saindo atrás, mas para.
            - Eu não tenho certeza quanto ao livro, mas pelo menos por fazer o Jared largar essa porcariada toda valeu a pena todo o dinheiro gasto. – ele diz e sai em seguida.


*          *          *


            À mesa, Margareth havia servido frutas, torradas, bolo, geléia, café e suco. Era um café da manhã de dar água na boca, porém Alice não sentisse a menor fome. Sem apetite, apenas honrando o compromisso com a refeição, Alice passava tranquilamente a geléia sobre uma torrada, como se lapidasse uma pedra. Margareth estava angustiada com a apatia da filha.
            - Como você está se sentindo depois de ontem à noite? – pergunta Margareth após desistir várias vezes de abordar o assunto.
            - Melhor... – Alice, reticente, sequer olha para a mãe.
            - Eu estou ficando preocupada com esses efeitos colaterais. Não é exatamente o que os padres haviam previsto.
            Alice mantém-se em silêncio.
            - Meu maior medo é que o que quer que seja aquilo ainda esteja aqui. – diz Margareth, receosa de suas próprias palavras.
            - Não. – Alice responde prontamente – Já se foi, eu tenho certeza.
            Margareth a encara, como quem pedia por mais detalhes.
            - Eu não sei o que era, mas com certeza já não está mais aqui comigo...
            Longo silêncio. Margareth não se controla e caminha até a filha, chacoalhando-a pelos ombros:
            - Pelo amor de Deus, Alice! – diz Margareth desesperada – Reaja! Faça alguma coisa, diz alguma coisa, qualquer coisa!
            Alice a encara de olhos arregalados, porém na constante apatia. Margareth se agacha ao lado da cadeira de Alice, deixando algumas lágrimas escorrerem.
            - O que foi, mãe?
            - Você precisa reagir, os padres disseram que você precisa reagir, senão o demônio acabará voltando... – diz Margareth em tom de súplica...
            Pela primeira vez Alice demonstra um sentimento. Acontece de uma forma muito sutil e rápida, mas era um sentimento: uma ponta de preocupação em seu olhar.
            - Eles esperavam por uma admiração pelo mundo, coisa de quem esteve sem vida e a agora a retoma... – Margareth continua – Eles disseram que aquilo só acontece com pecadores que deixam o mal instituir morada em seus corações. Você se afastou de Deus, minha filha, você perdeu a bondade em sua vida. Se você não recuperar a inocência, o otimismo e o amor, se você não deixar Deus voltar para dentro de seu coração, o demônio voltará para te possuir novamente, pois é isso o que acontece com as pessoas que vivem  nessa situação.
            - Quem disse isso? – pergunta Alice.
            - Os padres, minha filha! Os padres que vieram aqui ontem à noite te ajudar. Inclusive eu prometi ao Padre Livius, aquele mais novinho, que eu a manteria sempre no caminho de Deus.
            A imagem de Livius vem novamente à cabeça de Alice.
            - Irei vê-lo. – diz Alice levantando-se da cadeira, deixando a mãe sem entender nada – Vou até à igreja.
            - Você vai à igreja? – Margareth se levanta com um grande brilho nos olhos.
            - Sim, é lá que o encontro, não é?
            - É sim, minha filha! – Margareth sorri – Vá à igreja sim, você vai ver como vai se sentir bem!


*          *          *


            Toda a confusão na igreja já havia cessado. A polícia já havia feito seu trabalho, os curiosos já haviam se dispersado e naquele momento, apenas trabalhadores recolhiam os escombros da porta e dos bancos quebrados, preparando o local para uma pequena reforma de reparo dos danos causados pelo carro. Baltus e Livius estavam no cemitério, junto com Polski, onde um rapaz terminava de recobrir o túmulo revirado com terra.
            - Está tudo realmente bem, padre? – pergunta Polski quando o rapaz se retira – Essa sepultura violada e seu olho ferido me deixaram realmente preocupados. Não me sinto tranquilo em ir embora sem mais nada fazer pelos senhores. Já vi de um tudo acontecer por aqui, mas nada nunca me soara ser de tanta gravidade quanto isto.
            - Não se preocupe com isso, detetive. – responde Baltus – Estará tudo sob controle enquanto o senhor cumpri sua parte em nosso acordo.
            - Quanto a isso o senhor pode ficar despreocupado, como sempre. – diz Polski estendendo a mão – Sendo assim, um bom dia para os senhores.
            Eles se despedem e Polski deixa a igreja.
            - Padre, agora que nos encontramos a sós gostaria que o senhor narrasse o acontecido da última noite... – diz Baltus olhando o túmulo recém coberto.
            Livius conta a Baltus exatamente o que vira, enfatizando a aparência centenária do corpo, porém não estar totalmente decomposto e o fato de ter ocorrido às três da manhã.
            - E como ele parecia estar? – pergunta Baltus.
            - Morto! – diz Livius sem entender o teor da pergunta.
            - Mas ele parecia assustado, obstinado ou alguma coisa?
            - Como eu saberia, padre?
            - Ele se levantou e saiu andando ou se arrastou? Ele parecia estar em boas condições?
            - O senhor poderia me explicar o motivo dessas perguntas?
            - Esse cadáver, padre, ele se levantou de um túmulo e simplesmente saiu andando aleatoriamente ou ele parecia ter um destino conhecido?
            - Ele andou em linha reta, de maneira decidida.
            Baltus permanece em silêncio, pensativo.
            - O que o senhor está pensando? – pergunta Livius.
            - Não comente nada à esse respeito com o enviado da Nosferata essa noite, padre. – diz Baltus com semblante de preocupação – A não ser que ele próprio entre no assunto.
            - Por quê?
            - O senhor precisa fiar-se mais em mim e fazer menos questionamentos!
            - Serei eu que estarei nesse cemitério essa noite, eu preciso saber tudo o que senhor sabe!
            - Cheguei em um mau momento? – Alice se aproximava, mas percebe que ambos não estavam com caras boas.
            Logo as expressões dos padres se abrem em grandes sorrisos, ao vê-la.
            - Alice! Que bom vê-la bem!
            - O que aconteceu ao senhor, padre? – pergunta Alice ao ver os curativos no olho de Baltus.
            - Acabei me envolvendo no acidente de ontem à noite aqui na igreja. Acho que você já deve ter percebido...
            - Sim, eu vi a igreja... – ela diz – Mas fora isso estão todos bem?
            - Sim, sim... Estamos. – Livius responde.
            - Mas por um acaso isso não teria nada a ver com o que os senhores fizeram ontem lá em casa...
            - Não, não! – Baltus logo a interrompe – Absolutamente!
            Silêncio. Alice percebe que Livius olhava para uma pá que estava deitada sobre um túmulo nitidamente coberto há pouco tempo.
            - Acho que eu realmente não vim em uma boa hora... – diz Alice preparando a despedida.
            - Filha, não haveria melhor hora para sua chegada. – diz Baltus – Eu não estou me sentindo muito bem, irei subir aos meus aposentos para repousar um pouco. O senhor, padre, dê a assistência necessária à garota.
            Baltus conduzira os dois no caminho de volta à igreja e sai andando à frente. Lentamente Livius e Alice continuam, apenas caminhando enquanto conversam.
            - Então, como você tem se sentido? – Livius pergunta.
            - Não sei dizer ao certo. Acordei me sentindo vazia, inerte. Mas agora, aqui na igreja, eu estou começando a me sentir melhor. Estou me sentindo bem. – ela abre um tímido sorriso.
            - Isso é ótimo!
            - Sim, é mesmo...
            Eles sorriem um para o outro e logo os olhares se perdem no nada. Continuam caminhando, sem assunto. Livius a olha e ela resolve pressioná-lo:
            - O que era aquilo que eu tinha? O que o senhor e o Padre Baltus fizeram?
            Antes de conseguir dizer palavra, Livius apenas nota as marcas de mordida no pescoço de Alice, que o fitava duramente, pressionando-o por uma resposta. Ele tenta dizer algo, mas gagueja.
            - O que foi, padre? O que foi aquilo? – ela insiste.
            - O que aconteceu foi que você se deixou possuir por energias do mal... – ele responde vagamente.
            - Eu não me sentia possuída, padre. Apenas sentia vontades as quais não sinto mais. Eu sentia um calor dentro de mim que não sinto mais, agora me sinto gelada por dentro, como se inclusive meu útero tivesse secado e agora eu nunca mais pudesse ter um filho na vida. Me sinto fria e seca, que é totalmente o oposto do que eu deveria estar sentindo, não é mesmo? Cheia de vida e otimismo?
            - Sua situação já era bem avançada quando intervimos ontem, Alice, foi praticamente no último minuto. Nesses casos é realmente muito difícil prever com exatidão qual será a reação do paciente após o tratamento.
            - Por tratamento o senhor quer dizer exorcismo?
            - Vou te explicar o mesmo que explicamos à sua mãe ontem, Alice...
            - Sim, eu sei. Minha mãe já me disse isso.
            - Então o que te incomoda?
            - Por que o senhor pediu à ela para se assegurar de que eu não saia dos caminhos de Deus?
            - Porque eu detestaria vê-la nas mesmas condições uma segunda vez.
            Livius e Alice se olham nos olhos por alguns instantes.
            - Quais são as chances desse mal reincidir?
            - Infelizmente não sei... – Livius, sabendo que na verdade aquilo se tratava da ação de um nosferatu, não tinha como lhe dar tal resposta – Mas posso te garantir que frequentar mais a igreja ajudará bastante a diminuir esse risco.
            Novamente eles se olham, mas dessa vez Livius estava focado nas cicatrizes no pescoço de Alice.
            - Como surgiram essas marcas em seu pescoço?
            - Não sei... Não me lembro... – Alice diz tocando-as e sentindo-se mal em seguida.
            - O que foi? – ele se adianta, apoiando-a após a cambaleada que ela dera.
            Alice toca as cicatrizes novamente e, novamente sente-se tonta. Preocupado, ele a apóia até levá-la a sentar-se em um banco.
            - Quando toco essas feridas vem uma cena em minha cabeça.
            Livius nada pergunta, apenas espera pela conclusão, apreensivo.
            - Eu sei que vai soar do modo mais bizarro possível, mas eu acho que eu fui mordida por um homem.


*          *          *


            Jared e Dylan estavam em um restaurante fast-food folheando o enorme livro que comparam na loja de Brooke. Jared praguejava, pois o livro apresentava toda sorte de informações inúteis sobre a sociedade, mas o que ele mais precisava não achava: como encontrar um membro ou uma sede.
            - Você esperava o quê? – Dylan pergunta em tom de deboche – Encontrar uma casa com uma placa na porta dizendo “Irmandade da Chama Verde”, bater e pedir algumas informações sobre vampiros?
            Jared apenas olha feio para Dylan.
            - É uma sociedade secreta, cara! – diz Dylan – Isso se aquela doida da Brooke ou Madame Liry realmente estiver certa e eles de fato estudarem a possível existência deles.
            Jared começa a achar Dylan cansativo. Sua descrença e seu tom de deboche, principalmente para imitar Madame Liry lhe sugavam as energias, que ele considerava muito importante canalizar em sua busca.
            - É realmente muito estranho conceber a idéia de que alguém tenha acreditado nisso a vida inteira... – Dylan continuava com seus resmungos.
            - Você acredita em Deus? – Jared corta-o.
            - Sim. – Dylan responde sem hesitar.
            - Você por acaso já viu ou ouviu falar de alguém que já tenha visto Deus?
            - Muitos padres já, sem contar várias pessoas citadas na Bíblia.
            - A Bíblia pode sim ter sido supostamente ditada por Deus, mas foi escrita por homens, assim, como as revistas e os livros que eu te mostrei que falam sobre os vampiros. – Jared continua – A única diferença é que a Bíblia já está por aí há muito mais de mil anos, mas eu também tenho relatos de suspeitas de ações vampíricas de mais de mil anos atrás também. Se você nunca viu Deus, nem tem nenhum relato concreto de que o Mar Vermelho realmente se abriu ou de que Jesus realmente ressuscitou ao terceiro dia e mesmo assim acredita naquilo tudo, quem é você pra duvidar de qualquer outra coisa com tantas fontes e relatos?
            - Eu não duvido dos relatos, só prefiro ter a mente aberta para outras possibilidades.
            - Quais outras possibilidades, Dylan?
            - Sei lá, Jared! Talvez um monstro do lago ou coisa do tipo! Por que ele não pode ser suspeito também?
            - Um monstro do lago não conseguiria ligar do celular da minha irmã imitando a sua voz. – Para Jared a diferença era muito clara.
            - E alienígenas? – Dylan já estava irritado – Ela pode ter sido abduzida!
            - Você já está viajando demais, Dylan... – diz Jared com olhar de reprovação.
            - Eu estou viajando demais? – Dylan repete a pergunta, indignado.
            - Sim, está!
            - Eu passei a noite em claro sem poder ligar para a polícia, fui com você conhecer a mulher mais louca que já vi em toda a minha vida, paguei trezentos Euros num livro pesado, velho, empoeirado e que está à beira de se desintegrar, tenho andado a manhã inteira com um moleque de dezesseis anos que está fedendo alho e ainda sou obrigado a ouvir que eu estou viajando demais!
            - Dylan, você está muito inconstante e isso pode atrasar demais a busca pela minha irmã.
            Dylan fica ainda mais puto, pela petulância de Jared dizer que ele o está atrasando.
            - Olha, numa boa? – Dylan aproxima-se de Jared – Eu desisto! Vou procurar a polícia porque eu realmente estou viajando demais te acompanhando nessa loucura toda. A tal história da imitação da minha voz e o cara que some no escuro provavelmente não passam de devaneios dessa sua mente fértil!
            - Por que você está pulando fora?
            - Do fundo do meu coração, Jared, eu realmente acredito que Kayla terá mais chances nas mãos da polícia do que com toda essa sua maluquice.
            - Por que você não consegue simplesmente ter fé e confiar? Você acha que eu também não estou preocupado com minha irmã?
            - Eu preciso ter certeza que a Kayla ficará bem! Eu não vou aceitar correr riscos no que diz respeito à vida dela! A gente não se conhece há tanto tempo assim, mas eu me apaixonei pela sua irmã e nunca na minha vida acreditei que fosse possível amar tanto uma pessoa em tão pouco tempo...
            Dylan se emociona com suas próprias palavras. Jared levanta na intenção de lhe dar um abraço. Dylan percebe e prefere se desviar de Jared, que acaba por esbarrar no livro, derrubando-o ao chão. Vendo que Dylan fugia de seu abraço, Jared resolve pegar o livro, colocando-o novamente sobre a mesa sem fechá-lo. Aquelas duas páginas abertas o hipnotizam. Curioso, Dylan também se aproxima para ver. Ao cair, o livro se abriu exatamente na seção que fala sobre a Irmandade da Chama Verde. Entre os textos, havia algumas fotos e entre elas a fachada de uma enorme biblioteca na Rússia. Próximo à foto havia uma frase destacada do texto que dizia que eles sempre se reuniam em seções exclusivas de grandes bibliotecas privadas.
            - Já sei! – Jared tem uma epifania – A maior biblioteca de iniciativa privada da cidade é a Biblioteca Jeremiah Reene.
            - É uma biblioteca relativamente nova, tem no máximo seus cem anos.
            - E tem grandes chances de ter sido fundada por uma iniciativa formada por membros da Irmandade.
            Jared encara Dylan, que pergunta o que era.
            - Eu vou lá conferir. – diz Jared, esperando uma resposta de Dylan.
            - É melhor você estar certo nisso... – responde Dylan após muito pensar.


*          *          *


História original: Mário de Abreu
Escrito por: Mário de Abreu e Junim Ribeiro
Colaboração: Léo Borlido


Na próxima semana não haverá post devido ao feriado de carnaval.
Gostaríamos de lembrar a todos que os propósitos desse blog são a divulgação da história e a possibilidade de um canal aberto direto com os leitores, para que possamos estar sempre a par da opinião de vocês. Nosso único meio de ter acesso a isso é através dos seus comentários, porém nas últimas semanas não tivemos nenhum retorno. Gostaríamos desde já de agradecer imensamente a todos aqueles que nos postaram um comentário com suas opiniões, mas também de informar que após o carnaval só retornaremos com as postagens se conseguirmos mensurar nosso público. Caso você seja um dos nossos leitores e esteja interessado na continuação da história, por favor, poste um comentário ou envie um email para nosferataoficial@hotmail.com, pois só assim conheceremos nossos leitores e saberemos se devemos ou não continuar com o blog.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

NOSFERATA

VOLUME I GUERRA DE SANGUE

CAPÍTULO 02 – MINHA CASA pt. I


Leia aqui ou baixe em pdf


A Casa Ergen é uma sociedade nosferatu extremamente organizada. Sua sede é um imponente castelo escondido no meio da vasta vegetação das montanhas européias. Mas esse castelo tem uma peculiaridade: ele é totalmente adaptado para abrigar Nosferatus. Todas as portas e janelas se fecham completamente sem deixar nenhuma fresta que possibilite qualquer entrada de luz solar. Tal adaptação é copiada das moradas de um clã: a Kalmasia. Todos os ninhos kalmasia possuem esse tipo de lacre em suas portas e janelas.
            A Casa Ergen não é nada mais do que a reunião de cinco dos clãs nos quais os Nosferatus se dividem. É uma sociedade forte e importante, que rege a conduta de praticamente todos os Nosferatus existentes, mesmo daqueles que não fazem parte dela, pois suas influências são bem abrangentes. Para os ergen é muito importante manter a frágil harmonia e o instável equilíbrio num mundo onde coexistem Homens e Nosferatus, sendo assim, eles realmente controlam tudo. Porém, tais imposições incomodam profundamente àqueles que nunca se dispuseram a fazer parte dassa Casa. Estes se dividem basicamente em dois grupos. O primeiro deles é formado por outros cinco clãs que se uniram em uma outra casa, chamada Casa Hatar, que rege sua própria ordem com suas próprias leis, mas em relação à sociedade Nosferatu como um todo, a ordem é ditada pela Casa Ergen. Suas diversidades políticas são tratadas através de um frágil elo diplomático entre as casas. O segundo grupo é formado pelos demais Nosferatus. Esses Nosferatus costumam ter dois tipos de identidade: ou são totalmente individualistas e isolados, sendo que nem costumam ter muito contato uns com os outros e nem um tipo de organização hierárquica ou então são clãs tão fortes, unidos e organizados que se recusam a fazer parte de uma das casas.
            A regência que a Casa Ergen exerce verticalmente sobre os seus cinco clãs afiliados se assemelha com a organização de um governo e suas polícias. Quando um crime é cometido num certo âmbito, pode ser resolvido pela polícia local, mas quando o crime é de âmbito nacional, a responsabilidade passa para a polícia federal. A Casa Ergen funciona como um governo central, uma polícia federal, a quem cabe julgar e analisar todo e qualquer caso que possa afetar a sociedade Nosferatu como um todo.
            Sendo assim, um caso de overdose por indelina, que é uma substância perigosa, altamente tóxica e sem exatas definições e/ou restrições legais esclarecidas, deve ser impreterivelmente levado ao conhecimento da Casa Ergen. E naquela noite, Gerald Fuller respondia pela imprudência de Andora e Jannid. Porém, sua surpresa fora maior ainda ao conhecer que seu promotor era seu arqui-inimigo: General Vaughn Krieg.
            - Os senhores queiram me perdoar, mas a presença do Gal. Krieg não é adequada a este momento. – diz Fuller – Nunca foi necessário um tipo de intervenção como essa em nenhum outro julgamento na história da Casa Ergen. Muito menos tendo uma promotoria representada por alguém que, além de sequer fazer parte da Casa Ergen, é integrante da Casa Hatar, com quem temos clara e direta discordância política.
            - O senhor deve entender, Gal. Fuller, que essa é uma reestruturação que está sendo implantada recentemente... – diz o Juiz Hoffman – Essa reestruturação visa a integração de ambas as casas, Ergen e Hatar em prol de um único objetivo em comum: garantir a nossa sobrevivência, desde a queda da Nosferata.
            - Mas senhores, precisamos encarar o fato de que somos dois grupos com pontos de vista totalmente distintos, principalmente no tocante ao nosso comportamento frente à sociedade humana... – dizia Fuller – Ainda que Gal. Krieg estivesse aqui para um julgamento leal, garanto que seus parâmetros não se encaixariam com a proposta que...
            - O Sr. subestima nosso julgamento, General? – pergunta Hoffman, irritado.
            - Não, senhor.
            - Pois parece que sim, com tantas contestações que faz às nossas decisões.
- Lembre-se, Gerald Fuller, – diz o Juiz Fitch – se somos juízes hoje, é porque temos idade o suficiente para termos visto a Nosferata se erguendo e ruindo quinhentos anos depois. Nós sabemos muito bem o que é bom e o que não é para nossa sociedade.
            - Sim, senhores... – Fuller abaixa a cabeça, massacrado pelos juízes.
            - Senhores, peço por Fuller um pouco de clemência. – diz Krieg – Não é necessária tanta severidade com ele, pois todos conhecemos muito bem sua extrema devoção à Kalmasia e à Casa Ergen...
            Fuller desconfia das intenções de Krieg, que continua:
            - Como promotor dessa ação, eu me contento em retirar as acusações do crime de mau uso de indelina frente à explicação do porquê ter recolhido o garoto Lucas e levado para dentro de seu ninho para transformá-lo, sendo que isso consiste em violação das regras da Casa Ergen!
            - Quem é você para encher a boca desse jeito para falar da Casa Ergen? – Fuller estava indignado – A Casa Hatar é uma estrutura frágil e desorganizada, que mal consegue se manter em pé, quem dirá policiar as transformações realizadas por seus membros! E você ainda quer falar alguma coisa da Casa Ergen e minha conduta?
            - Na Casa Hatar esse tipo de transformação também é inaceitável! – Krieg responde de imediato.
            Os juízes encaram Fuller com olhares de desaprovação. O último leva as mãos ao rosto, como quem reconhece que seu fim estava próximo.
            - A culpa toda na verdade foi minha... – diz Andora – O Gal. Fuller apenas recolheu Lucas e o levou para ser transformado em nosso ninho porque eu me apaixonei por ele.
            A revelação causa surpresas, inclusive em Jannid.
            - Eu quis o amor dele, mas eu desprezo a simples idéia de ter relações amorosas com um mortal... A intenção era transformá-lo...
            Ficam todos a encará-la. Jannid e Fuller pareciam surpresos, os juízes confusos e Krieg inseguro. Será que a estratégia de Andora funcionaria a favor de Fuller?
            Durante todo o julgamento, a um canto do salão estava um rato. Ele estava bem quieto, como se apenas observasse o que acontecia. Ele finalmente decide deixar o local, utilizando uma fresta entre dois blocos de pedra.


*          *          *


            O tal rato percorre algumas salas, enveredando-se entre as frestas e ralos da estrutura do prédio da Casa Ergen. Ele passa pela enfermaria, onde Lucas estava deitado. Junto a sua maca, havia outro homem, aparentando uns trinta e poucos anos. Apesar da palidez característica dos nosferatus, a aparência desse homem era forte e saudável, porém ele tinha uma marca inconfundível: uma profunda cicatriz em um lado do rosto, que descia do olho até a boca. Ao vê-lo ali, ao lado de Lucas, o rato para e observa.
            Lucas já estava consciente, mas ainda sentia-se totalmente dopado. A sensação que tinha era de que acordava em um hospital, provavelmente passara mal no bar e fora internado. E todo o ocorrido com Andora e Jannid foram apenas devaneios, delírios de seu mal-estar. Percebe não estar sozinho, nota a presença de um homem ao seu lado. Com a vista ainda um pouco turva, ele foca melhor nas feições daquele que deveria ser um médico ou enfermeiro: tristemente, ele vê naquele homem as mesmas feições vampíricas de Andora e Jannid, o que lhe causa um tremendo susto. Apenas a injeção de adrenalina causada por tal susto é capaz de dar forças a Lucas para saltar da cama de tal forma, porém, logo cambaleia, sem conseguir firmar as pernas sobre o chão. O homem se adianta e o ampara. Apavorado, Lucas se debate, tentando livrar-se dos braços daquele ser, sem sucesso.
            - Acalme-se! – diz o homem – Você ainda está muito fraco, precisa de descanso.
            Lucas, assustado, ainda pensa em fugir, olha em volta à procura de possíveis armas e saídas, mas suas pernas bambeavam.
            - Vamos, fique calmo e se deite. – o homem continua – Eu não vou lhe causar nenhum mal, estou aqui apenas para conversar.
            - Acho que já ouvi essa ladainha antes... – diz Lucas desconfiado.
            - Bom, quanto a isso eu não saberia dizer, mas algumas coisas eu sei que eu poderia...
            Lucas fica apreensivo, o tal homem sustentava um semblante revelador.
            - Imagino que a esse ponto você deve estar cheio de dúvidas e perguntas em sua mente e creio eu ter grande parte das respostas que você procura... – o homem continua – Mas é claro que eu também gostaria de lhe fazer algumas outras perguntas...
            Lucas hesita, pondera bem sobre a proposta e, sentindo seu corpo fraco, entende que não teria chances de fugir dali. Resolve aceitar:
            - Está bem, mas eu começo.
            - Justo.
            - Quem são vocês e o que querem comigo?
            - Nós pertencemos a uma outra espécie, chamada Nosferatu. Conhecidos por vocês como vampiros. E a intenção da garota que o sequestrou é provavelmente transformá-lo em um também.
            - Me transformar? – Lucas toma um baque – Mas por que a mim?
            - Isso eu imaginava que você pudesse me esclarecer... – o homem cresce um olhar misterioso e ameaçador sobre Lucas – Quem é você? O que você tem de tão especial?
            - Especial? Eu? – Lucas quase fica tão à vontade a ponto de rir debochadamente – Eu não tenho absolutamente nada de especial! Sou apenas um estudante universitário que trabalha à noite como barman para poder custear as despesas.
            O homem não entendia, mostrava-se muito intrigado com tudo aquilo.
            - O que foi que aconteceu comigo? – Lucas continua a perguntar – Me lembro de poucas coisas, alguns flashes... Me lembro de estar totalmente paralisado em um momento, mas me lembro também de recobrar os movimentos e tentar fugir, estava em um tipo de mansão... Me lembro de uma garota me mordendo e só, não me lembro de mais nada depois...
            - Você sofreu uma overdose de indelina...
            - Indelina? Ouvi a garota falando algo sobre isso...
            - E você já a conhecia de algum lugar?
            - Não... – Lucas hesita – Apenas já a vi frequentando o bar onde trabalho algumas vezes.
            - Você nunca teve nenhum tipo de contato com nenhuma das pessoas que viu naquela mansão?
            - Não! Quase não vi ninguém lá, mas os que vi não conheço.
            Silêncio. O tal homem parecia irritado, o que deixa Lucas apreensivo. Ele olha em volta, tentando imaginar uma forma de sair dali.
            - Onde é que estamos? – pergunta Lucas.
            - Esta é a sede de uma das maiores instituições nosferatu existentes no mundo.
            - Eu quero ir embora daqui...
            - Eu poderia levá-lo comigo, mas me sinto na obrigação de informá-lo que onde moro também só moram nosferatus, assim como a mansão onde esteve mais cedo.
            - Muito obrigado, mas eu pretendo voltar para minha própria casa.
            - Infelizmente creio ser eu obrigado a informá-lo que isso não será mais possível.
            Lucas gela. O homem se mostra sério e firme.
            - Sua transformação já foi iniciada, – ele continua – agora não há mais meios de reinseri-lo na sociedade humana.
            Lucas arregala os olhos e o homem pega um pequeno espelho que estava sobre uma bancada onde haviam vários instrumentos médicos. Com o espelho, mostra a Lucas as marcas da mordida de Jannid em seu pescoço:
            - Faltam apenas mais duas mordidas para se completar o processo...
            - Deve haver algum meio de reverter isso! – Lucas começa a entrar em desespero.
            Quando Lucas lhe devolve o espelho, o homem vê o reflexo do tal rato, que espreitava a um canto. Ele olha diretamente para o rato, que foge, entrando em um ralo. O homem se mostra preocupado com o rato, mas disfarça:
            - Imagino que se vier comigo, eu possa fazer algo por você.
            Os olhos de Lucas refletem esperança.
            - Alguns daqueles com quem moro se empenham em estudar o fenômeno Nosferatu e como manipulá-lo. É provável que tenham uma solução para seu caso, afinal, você ainda não se transformou, levou apenas a primeira mordida...
            - Como posso confiar em você? – diz Lucas – Nem sei o seu nome.
            - Não há nada que eu possa dizer ou fazer que lhe faça confiar em mim assim tão subitamente, isso caberá ao seu discernimento. Mas meu nome é Hugh Xavier.
            Hugh sorri de forma simpática. Lucas pensava por alguns instantes.


*          *          *


            Na mesma sala onde Mandor mantinha Trevor amarrado, ele e Ron amarraram também Kayla, que já lhes começava a dar nos nervos com tantas reclamações e ameaças sem fundamentos.
            - Eu juro que assim que o dia amanhecer eu vou fritar a todos vocês como panquecas! – ela esbravejava.
            - Jura, docinho? – Ron debocha – E como você pretende fazer isso amarrada a essa cadeira?
            - Encostem um dedo no meu irmão e vocês verão!
            - Ah! O irmão... – ele continua debochando.
            - O que vocês sabem sobre ele, hein?
            - Basta que você saiba que ele sempre esteve certo à respeito de nossa existência... – diz Mandor em tom sereno.
            - O que mais? – Kayla não parava de falar – Vocês andam nos espionando, é? O que vocês querem com o meu irmão? O que vocês sabem sobre ele?
            Ron perde a paciência e, como uma flecha deixa o lugar onde estava e vai para a frente da cadeira de Kayla, debruçando-se sobre ela, falando bem de perto em tom ameaçador e irritado:
            - Escuta aqui, garota: sabemos muita coisa sobre o seu irmãozinho esquisito, mas isso é o de menos relevante aqui. Pare para pensar e imagine o quanto sabemos sobre você.
            Ao final da fala Ron ainda continua encarando-a olho no olho. Kayla fitava profundamente seus olhos de brilho branco. Assustada, engole seco.
            - Sabemos tudo sobre vocês dois... – Ron continua, estendendo a conversa a Trevor.
            - E com qual intuito coletaram todas as informações a nosso respeito e nos trouxeram para cá?
            Antes que Ron ou Mandor pudessem responder, Leda Moyer entra no quarto.
            - Mandor? – ela o chama com discrição.
            - Leda? – ele se surpreende ao vê-la – Aconteceu alguma coisa?
            - Na verdade sim, você poderia me acompanhar?
            Mandor sai com Leda deixando Trevor e Kayla ainda mais desconfortáveis. De certa forma, a presença de Mandor era tranquilizante e amena. Estava sendo extremamente incômodo para os dois saberem que ficariam unicamente na companhia agitada e ameaçadora de Ron.

            Leda Moyer é uma espécie de secretária executiva na Kalmasia, como uma ministra. Quem administra todo o sistema do ninho é Adam Clastern, o Regente, mas Leda Moyer é seu braço direito, auxiliando-o em praticamente tudo, tendo inclusive autonomia para muitas coisas.
            Quando Mandor finalmente deixa o quarto na companhia de Leda, depara-se com o próprio Adam Clastern, que o aguardava no corredor, acompanhado por um rapaz alto e sério.
            - Está acontecendo algo sério? – Mandor fica apreensivo ao vê-lo.
            - Sim, Mandor, está. Gal. Fuller está sob julgamento na Casa Ergen e algo muito estranho está acontecendo lá...
            - O que está acontecendo?
            - É justamente esse o motivo de te chamar aqui. Preciso ir até lá. Usarei um dos carros blindados, pois o sol já nasceu. Enquanto isso, Leda estará no comando aqui, porém, com a ausência de Fuller, o próximo na cadeia de comando é você.
            - Sim, senhor. Ajudarei Leda no que for preciso.
            - Eu vim aqui mais precisamente te avisar que você e Ron já podem começar com o que for conveniente na doutrina de Kayla e Trevor. Lucas terá que ser trabalhado à parte de qualquer forma...
            - Sim, senhor. Pode ficar despreocupado que cuidaremos disso.
            - Obrigado, Mandor. Agora tenho que me apressar...
            Adam e o rapaz que o acompanhava saem rapidamente.

            Enquanto isso, na sala, Ron conversava com Kayla e Trevor.
            - Alguma vez vocês já se imaginaram vivendo eternamente? – pergunta Ron.
            - Sim... – Trevor parecia divagar, indo longe.
            - Não! – respondendo ao mesmo tempo que Trevor, Kayla responde de forma grosseira e pirracenta.
            - A verdade é que é maravilhoso. – ele responde com um largo sorriso – A vida eterna é uma das maiores dádivas que é possível se receber nesse mundo.
            - Não imagino ser nada maravilhoso ver minha família e meus amigos envelhecendo e morrendo, perder a capacidade de ter sentimentos humanos e ser obrigada a conviver com o monstro que me tornaria e com as injustiças do mundo para todo o sempre. – diz Kayla em tom de afronta.
            Ron ri divertidamente, como quem ri de uma criança falando bobagens.
            - Não pense pequeno, Kayla! O mundo é injusto apenas para criaturas pequenas e indefesas como os homens, que estão sempre na qualidade de vítimas. Além disso, não há monstruosidade alguma em ser uma espécie melhor do que as outras, isso é teoria da evolução na sua forma mais pura. Quanto aos sentimentos, se eu não os tivesse, você provavelmente já estaria morta à essa altura por ser tão entediante e inconveniente. Mas como sim, eu tenho sentimentos, eu sinto até raiva a ponto de querer matá-la, e também misericórdia, a ponto de não dar ouvidos a tais pensamentos.
            Breve silêncio. Os dois ainda trocavam faíscas pelos olhares.
            - Você não disse nada sobre ver sua família e amigos envelhecendo e morrendo...
            - Se você quiser envelhecer, que fique à vontade! Eu estou muito mais confortável sabendo que viverei jovem e bonito para sempre. Quanto aos amigos, é muito superficial de sua parte achar que do nada você conhece alguém com quem não compartilha nada além de preferências, convive por alguns poucos anos e ainda assim querer dizer que conhece e ama aquela pessoa. Se ama realmente e intenciona conhecer a fundo, somente séculos de convivência são capazes de criar amizades verdadeiramente sólidas. E quanto à família, quando você se torna um nosferatu, aqueles iguais que o transformaram se tornam sua família, porque o acolhem. Não é um simples acaso de você nascer entre aquelas pessoas, elas escolheram você ali e você as aceitou. São além de família, amigos verdadeiros, pois compartilham um lar, uma visão de mundo, o alimento, o DNA.
            Mandor volta.
            - Clastern estava de saída, mas primeiro nos deu sinal verde para começarmos com os dois. – diz Mandor a Ron.
            Kayla e Trevor ficam apreensivos, não sabiam o quê seria começado com eles.
            - Quem é Clastern? – Kayla pergunta.
            - Adam Clastern é como se fosse o pai de todos nós aqui. – diz Mandor – É quem cuida de nossa família.
            - E vocês dois... – Ron faz uma pausa dramática com um largo sorriso sarcástico no rosto – sejam bem-vindos à nossa família!
            Os dois compreendem imediatamente o que tudo aquilo significava e arregalam imensamente os olhos.


*          *          *


            Andora obviamente mentira ao afirmar para os juízes que era apaixonada por Lucas e que ele fora escolhido para ser transformado graças a tal paixão. Tentara tomar a culpa de tudo para si, tentando assim ajudar Fuller, mas não foi suficiente. Sua história, por ser inventada na hora era inconsistente e cheia de lacunas. Hoffman e Fitch, os dois juízes, decidiram por desconsiderar tal depoimento e se preparavam para aplicar a Fuller o veredicto.
            Fuller estava apreensivo, atormentado pela incerteza do quão ruim poderia ser tal veredicto. Aliado a isso, controlava-se para não voar em cima de Vaughn Krieg e matá-lo brutalmente com as próprias mãos, ali mesmo. Olhava-o fixamente e em seus olhos de brilho esbranquiçado notava-se um extremo ódio, principalmente ao ver que o olhar de Krieg para si era um misto de uma vitória triunfante com bastante deboche e zombaria. Os olhos de Krieg não eram como os de Fuller e os demais integrantes da Kalmasia. Cada clã tinha suas características físicas específicas e os olhos esbranquiçados e brilhantes era uma exclusividade daqueles que tinham o DNA nosferatu de um kalmasia. Como Krieg pertencia a outro clã, o Romerna, suas características se diferenciavam: os olhos de um romerna são dos mais parecidos com os dos humanos entre todos os clãs nosferatus. O formato e a divisão entre íris e pupila era idêntica, com apenas dois detalhes: a pupila é bem contraída, como um pequeno ponto preto no centro da íris e a cor da última, variando em tons de vermelho. A íris de Krieg é de um tom de vermelho escarlate, cor de sangue puro.
            - Não foi nada pessoal, Fuller... – diz Krieg ainda com a mesma expressão triunfante e debochada – Apenas estou desenvolvendo o meu papel numa sociedade que está para surgir.
            - Nova sociedade? – Fuller pergunta curioso.
            Ambos os juízes encaram Krieg de forma repreensiva, fazendo com que Krieg se cale.
            - Eu exijo saber do que você está falando! – Fuller é enérgico.
            - Gal. Fuller, poupe suas energias... – diz Hoffman.
            - O senhor não está em posição de exigir absolutamente nada. – Fitch completa – Saiba o senhor que qualquer deliberação que o livre da pena de morte e ou da expulsão da Casa Ergen, consequentemente de seu próprio clã, o Kalmasia, será considerada um voto de clemência de nossa parte.
            Com grande estrondo, as portas do salão se abrem repentinamente.
            - Vou considerar que houve algum problema com a correspondência para eu não ter sido convocado a essa audiência, senhores juízes. – Adam Clastern adentra o salão com confiança.
            - Na verdade se trata de um julgamento, senhor. – Fuller o corrige.
            Adam fica alguns segundos encarando Krieg.
            - O que ele faz aqui? – pergunta Adam aos juízes.
            - Represento a promotoria nesse caso. – o próprio Krieg responde.
            - Não crêem ser um tanto inadequado um romerna representar a promotoria contra um kalmasia? – Adam novamente se dirige aos juízes.
            - É bom nos acostumarmos... – diz Fuller em tom jocoso – Até onde sei, assim será numa nova sociedade que está por vir.
            - Nova sociedade? – Adam não entende.
            - O senhor está sendo petulante, General. – Fitch o repreende – Não teme que tal comportamento reflita negativamente em sua sentença?
            - Mas nem mesmo o veredicto de culpa foi anunciado ainda. – Fuller responde com proposital petulância.
            - E nem será. – diz Adam – Não haverá veredicto ou pena alguma porque em primeiro caso não deveria ter havido julgamento. Andora realmente havia se apaixonado por Lucas e eu, na condição de regente da Kalmasia autorizei a entrada dele em nosso ninho para que fosse realizada a transformação. Sua fuga não pode ser caracterizada legalmente como uma fuga, pois ele nunca deixou de fato o ninho, a não ser trazido por Fuller, graças à overdose de indelina que sofrera. Como o problema era interno, todas as infrações podem ser penalizadas por eu mesmo.
            - Compreendemos perfeitamente sua posição, Sr. Clastern, mas infelizmente o senhor não está adequadamente qualificado para ter voz ativa nessa decisão. – diz Hoffman – O senhor não é um Elder e tampouco o Patrono da Kalmasia.
            - Há exatamente cento e oitenta e sete anos, Edgard Raven, o Elder Patrono da Kalmasia que atualmente se encontra em repouso, me nomeou Regente. Isso me dá plenos poderes para administrar o clã como se eu fosse o próprio.
- Mesmo assim, Sr. Clastern... – Hoffman continuava a falar, mas Adam o interrompe:
- Mas existem outros fatores que tornam esse julgamento inválido. Eu, aliás, não me recordo de em momento algum essa nova estruturação ter sido aprovada pelo conselho dos clãs componentes da Casa Ergen. H
            - A própria Casa Ergen em sua qualidade de Instituição Regente tomou tais decisões. – responde Fitch.
            - Diferente de mim, que respondo por Edgard Raven, os senhores como juízes não podem responder por Belatrix Alba, que é a única na Casa Ergen com poderes para tal – Adam continuava, inflado – Mas de qualquer modo eu posso nesse exato momento apelar para os Patronos e Regentes dos demais clãs e pedir suas opiniões sobre um membro da Casa Hatar atuando como promotor em nossos julgamentos internos.
            - Tudo será feito da forma adequada, isso eu garanto. – diz Hoffman – Porém temos uma grande pressa para tal reestruturação, visando uma nova sociedade que garantirá a sobrevivência de todos, substituindo esse frágil sistema de duas casas.
            - À partir do momento em que essa nova sociedade for votada e aprovada e o novo sistema entrar em vigor, as coisas começarão a seguir tal ordem, mas por enquanto ainda é inválido!
            - O senhor tem consciência que pode estar iniciando um sério incidente diplomático, Sr. Clastern? – pergunta Fitch.
            - Quando se trata da Romerna o termo incidente diplomático é ínfimo para descrever a realidade, cujo início já ficou para trás há muitos séculos... – diz Fuller olhando com desprezo para Krieg.
            Adam, Fuller, Andora e Jannid deixam a sala dos juízes. Ambos pareciam extremamente preocupados. Trocavam olhares entre si e, por fim, olham para Krieg, de maneira ansiosa, como se esperassem a resposta para alguma coisa.
            - Alguém vai ficar muito insatisfeito... – diz Krieg em tom ameaçador, deixando os juízes ainda mais preocupados.

            Fuller guiava os três até a enfermaria, onde Lucas havia ficado repousando. Ao chegarem, se deparam com o local vazio.
            - Jannid e Andora: vasculhem todo o edifício até encontrá-lo! – ordena Fuller furioso.


*          *          *


            Lucas andava com dificuldade, escorando-se em Hugh, que lhe apoiava pelo braço. Hugh tentava ajudá-lo a andar mais rápido, enquanto percorriam os intermináveis corredores da Casa Ergen.
            - Você verá, Lucas, – dizia Hugh – nós conhecemos muitos estudiosos, alguma coisa eles serão capazes de fazer por você. Sua transformação, em teoria, já é inevitável, se voltar para casa corre um grande risco de morrer e se retornar com os mesmos que o trouxeram, vai acabar se tornando cobaia de experimentos hediondos.
            - Como você sabe disso? – Lucas pergunta assustado.
            - Eu tenho meus motivos para afirmar isso... – Hugh sutilmente inclina o rosto, de forma que Lucas veja sua cicatriz – Sem dúvidas você tomou a melhor das decisões. Vir comigo e se tornar um grande guerreiro, fazer parte do clã dos Nosferatus mais fortes e resistentes que existe: A Romerna!
            - Eu realmente vou precisar ser mordido mais duas vezes? É uma dor insuportável...
            - Te garanto que as próximas não doerão quase nada...
            Hugh para de repente e fica apreensivo.
            - O que foi? – Lucas pergunta, sendo interrompido por um sinal de silêncio de Hugh, que parecia prestar atenção em algum som.
            Lucas, que não ouvia som algum, começa a prestar atenção também. Logo ele distingue um estranho barulho, que parecia muito com os grunhidos de um rato. Quando abre a boca para fazer um comentário com Hugh, o último vira-se para trás. Hugh vê o mesmo rato que os observava na enfermaria. Em movimentos extremamente rápidos, ele solta Lucas, jogando-o a um canto, puxa uma faca de seu cinto e atira-a contra o tal rato, que por sua vez, na mesma velocidade, transforma-se num ser humano e desvia-se da faca, que se encrava no rejunte do piso de pedra. Ele estava nu, porém tinha muitos pelos, pelos de rato, que o proporcionavam uma nudez não expositiva. Suas mãos se assemelhavam com as patas de um rato, porém suas unhas se mostravam extremamente afiadas e fortes. Seu rosto, principalmente a região do nariz e boca, seus dentes e suas orelhas também tinham características mais próximas às de um rato do que de um humano. Finalizando o quadro, ele tinha a cauda de um rato. Ele e Hugh se encaram como rivais e montam guarda. Lucas observava aquilo sem conseguir acreditar.
            - É muito corajoso de sua parte ignorar toda a minha superioridade e mesmo assim querer me enfrentar, criatura... – diz Hugh, com desprezo.
            Hugh e o rato partem para a luta. Hugh demonstra realmente ser mais forte e ter mais conhecimento de técnicas de luta, porém o homem-rato é mais ágil. Seus golpes com a cauda conseguem atingir Hugh com maior eficácia, colocando-o em segurança, pois impedia o último de se aproximar. Já o nosferatu, começando a se irritar, consegue finalmente segurar a cauda e puxá-lo para perto de si. O rato se debate, mas Hugh segura-o por trás. Prepara as presas para morder-lhe o pescoço, mas é interrompido por Jannid e Andora que chegam por trás, atacando-o.
Ao se defender ele solta o rato.
            - Rat! – Jannid chama o homem-rato, revelando seu nome.
            Hugh se vê cercado por Rat e pelas duas. De um lado do corredor, de onde ele vinha com Lucas, surgem Adam Clastern e Fuller. Do outro Vaughn Krieg. Hugh ameaça algum movimento, mas Rat, Jannid e Andora reagem, prontos para atacá-lo.
            - Você vai se meter numa séria encrenca se permitir que meu Coronel seja aniquilado de tal forma selvagem, principalmente dentro da Casa Ergen. – diz Krieg ameaçando Adam.
            - Não tenho intenção alguma de que essa batalhe se prorrogue por mais um único movimento. – diz Adam mantendo sua típica tranquilidade – Apenas vim pegar algo que creio me pertencer – Adam apenas olha para Lucas.
            - Hugh... – Krieg chama-o.
            - Eu não estou derrotado! – Hugh bufa de raiva – Eu consigo perfeitamente derrotar os três!
            - Indiferente! – Krieg adiciona mais energia à sua voz – Estamos indo...
            Os dois deixam o local. . Adam entrega uma mochila a Rat de onde ele tira um par de calças, coturnos e um sobretudo, que veste, já assumindo uma aparência totalmente humana, revelando ser o mesmo rapaz que acompanhava Adam naquela manhã, quando procurou Mandor antes de deixar a Kalmasia. Jannid e Andora, ao mesmo tempo, se adiantam a Lucas, na intenção de ajudá-lo a se levantar. O mesmo demonstra pavor das duas. Jannid fica chateada com tal reação, enquanto Andora extremamente ofendida.
            - Deixe-me te ajudar a levantar, filho... – diz Adam estendendo-lhe a mão.
            Lucas aceita a ajuda de Adam, principalmente por ter consciência de que não conseguia andar direito sozinho. Porém, as palavras de Hugh e sua profunda cicatriz não saíam de sua cabeça. Ele não conseguia deixar de tentar imaginar que tipos de experiências horrendas aquelas pessoas fariam e o que poderia acontecer a ele dali para a frente.


*          *          *


            O ninho Romerna se assemelhava muito a um quartel general, porém, como um castelo medieval, havia um pátio aberto em seu centro. Por ser dia era de se esperar que tal pátio estivesse abandonado, mas essa não era a realidade. Como numa instalação do Exército, soldados iam de um lado para o outro, ora carregando objetos, ora entretidos com outras atividades. Todos estavam com o corpo totalmente coberto por suas fardas. Tais fardas eram pesadas e isolavam totalmente o corpo da luz solar. A cor predominante era o preto, mas haviam vários detalhes em um tom escuro e metálico de verde. Essas eram as cores que representavam a Romerna. Os soldados também usavam óculos especiais, que protegiam os olhos do sol e os permitia enxergar na luz do dia.
            Um furgão adentra o ninho, estacionando no pátio central. Descem duas pessoas utilizando as mesmas fardas. Confiantes, caminham em direção a uma porta. Ao passarem por ela, seguem por um corredor que termina em uma espécie de vestiário. Os dois retiram os óculos e os capuzes que lhes cobriam as cabeças, revelando serem Krieg e Hugh. Abrem as fardas especiais e as tiram, sendo que por baixo dela ainda utilizavam suas roupas normais (que também eram fardas pretas e verdes), as mesmas que usavam na Casa Ergen. Um soldado se aproxima de ambos.
            - General Krieg, a Marechal ordenou que o senhor fosse vê-la imediatamente ao chegar. – diz o soldado, retirando-se em seguida.
            Krieg e Hugh caminham pelos incontáveis corredores do ninho Romerna, até chegarem a uma grande porta dupla ao final de um desses corredores. Krieg bate à porta.
            - Podem entrar. – responde uma voz masculina.
            Ambos adentram o recinto, onde um oficial se dirigia à porta.
            - Eu já estava de saída... – diz o dono da voz – Deixo os senhores a sós com a Marechal...
            O tal homem sai, deixando Krieg e Hugh com Marechal Sarah Dellano. Sentada à sua grande mesa de madeira maciça e granito, Sarah Dellano era uma mulher de meia-idade, imagina-se que seu último aniversário em vida foi de quarenta anos, não muito mais que isso. Loira, de longos cabelos ondulados que sempre mantinha presos, não era uma mulher muito bela, nem muito feminina, porém era vaidosa. Seus trejeitos eram levemente masculinos, seus traços do rosto bem marcados, mas estava sempre bem maquiada e bem vestida. Sua ascendência era visivelmente italiana. Seus lábios grandes e grossos quase eram capazes de disfarçar sua aparência mortuária, mas os cigarros que fumava incessantemente lhe deram em vida uma voz tão grave e cavernosa que a morte lhe caíra como uma luva. Sua sala parecia totalmente fora de contexto naquele ninho, pois era uma mistura de escritório com biblioteca, porém com muitos toques femininos, mas sem frescuras.
            - Primeiramente queria informar-lhes que estou a par de que as negociações com os juízes da Casa Ergen parecem ter sido um tanto quanto abaladas devido aos últimos acontecidos... – diz ela.
            - Estava indo tudo bem, de início... – diz Krieg, hesitante – Porém Adam Clastern apareceu no meio do julgamento.
            - Como assim? O que ele estava fazendo lá?
            - Não sei, Marechal. – diz Krieg – Ele deve ter desconfiado de alguma coisa...
            - Não acho isso suficiente, General. Alguma coisa o fez ter um pouco mais do que apenas uma desconfiança para tirá-lo do ninho Kalmasia e ir lá resolver a situação pessoalmente em pleno dia. Eu preciso de uma explicação.
            - Infelizmente, senhora, não tenho nenhuma.
            Sarah sempre fazia a mesma expressão quando começava a perder sua paciência, que já era bem curta por natureza: ela forçava os músculos dos cantos dos lábios, fazendo-os se destacarem ainda mais em seu rosto, por estarem contraídos; a maçã de seu rosto se elevava um pouco, espremendo o olho, trazendo para baixo consigo a sobrancelha, enquanto a outra sobrancelha se elevava, fazendo com que tal olho se arregalasse.
            - Coronel, o senhor por acaso teria alguma explicação para mim? – ela pergunta já entre dentes.
            - Havia um rato informante, senhora! – diz Hugh, intimidado.
            - Um rato? – ela demonstra-se por demais curiosa.
            - Sim, senhora. – Hugh continua – Percebi esse rato me observando enquanto eu conversava com Lucas Connor na enfermaria e, mais tarde, quando eu estava tentando sequestrá-lo, esse rato revelou ser uma criatura à serviço da Kalmasia.
            - Um rato que trabalha para a Kalmasia? – Sarah estava intrigada.
            - Sim senhora, eu creio que seja o mesmo rato...
            - Sim, sim! Também imaginei isso! – ela corta essa parte e vira-se para Krieg novamente – O senhor não viu nenhum rato durante o julgamento esta manhã, General?
            - Não senhora, não vi rato algum. – ele responde prontamente.
            Sarah fecha os olhos, respira fundo e reabre-os novamente com um falso sorriso, trêmulo, enquanto falava pausadamente:
            - General Krieg, por acaso não haveria a possibilidade de um rato ter passado por ali em algum momento?
            Sarah Dellano era a única pessoa que alguém poderia citar ser capaz de intimidar o temido Vaughn Krieg. O último estava inseguro, parecia não saber o que responder e isso o fazia gaguejar:
            - Eu... Eu creio... Sim! Eu creio que sim, é possível...
            Sarah fecha a cara de vez e, em grande velocidade se aproxima de Krieg, lhe esbofeteando o rosto.
            - É claro que é possível, seu incompetente! – ela cospe marimbondos – Tão possível que foi o que realmente aconteceu! Esse tal rato viu o que acontecia durante o julgamento e delatou tudo a Adam Clastern que foi correndo até lá!
            - Absolutamente, senhora. – Krieg abaixa a cabeça, humilhado – Perdoe minha falta de observação.
            - Eu não busco por desculpas ou justificativas, General! Nós somos a Romerna, os mais fortes, hábeis e resistentes de todos os nosferatus! A Romerna é conhecida como as Forças Armadas entre todos os clãs existentes e isso significa que somos um Exército. Porém, para sermos um bom Exército não basta apenas termos músculos, todos precisamos ser inteligentes, pois setenta e cinco por cento da vitória em uma batalha consiste em sua estratégia e para elaborar boas estratégias é preciso ter inteligência. – ela abranda o tom de sua voz – Vaughn Krieg, o senhor é o melhor e mais respeitado General de todo o nosso clã, mas eu preciso impreterivelmente que o senhor passe a agir com mais inteligência!
            - Sim, senhora! – ele se prontifica – Prometo que não irei decepcionar.
            - Realmente espero, General. – ela continua – Espero que tal retaliação na frente de seu Coronel seja humilhação suficiente para garantir que o senhor não me decepcione novamente, pois estamos no meio de um jogo extremamente delicado aqui. Não temos espaço para falhas.
            - Sim, senhora! – Krieg bate continência e seu olhar se perde por alguns segundos.
Durante esses poucos segundos algumas coisas ficam visíveis em seus olhos vermelhos: que ele realmente não deixaria espaço para falhas dali para frente. Não apenas para falhas, mas também para piedade e misericórdia.


*          *          *


Vaughn Krieg e Hugh Xavier caminhavam novamente pelos corredores da Romerna, mas dessa vez a passos firmes e pesados, sentindo ainda o peso das palavras de Sarah. Krieg ainda sentia-se humilhado, tão humilhado que por várias vezes passou pela sua cabeça a idéia de eliminar Hugh, apenas para que não houvesse mais testemunha do ocorrido com Sarah Dellano minutos atrás.
- Espero que esteja ciente de que se dizer uma só palavra do acontecido para alguém e por alguém eu quero dizer qualquer um, eu juro que você terá a chance de ver novamente aquilo que não vê há séculos!
Hugh sente-se ameaçado, pois entende que por essa expressão Krieg se referia à luz do sol.
- General, meus votos ao senhor continuam os mesmos desde o início: total fidelidade e serventia. – diz Hugh, tentando não demonstrar-se ameaçado.
- Bom, garoto. Muito bom... – Krieg retoma – Nós não podemos fracassar, eu preciso saber todas as informações que conseguiu coletar com o humano.
- Não tive tempo de conseguir nada concreto. Descobri apenas que o próprio Lucas não fazia nem idéia da nossa existência e se considera um qualquer, apenas um universitário trabalhando em um bar para pagar suas contas...
- Isso tudo é muito estranho... – Krieg divaga – Fuller não enviaria seus garotinhos de ouro numa missão tão arriscada quanto essa de coletar pessoas qualquer pela cidade para uma transformação clandestina. Alguma coisa muito especial eles devem ter para Fuller os querer tanto!
- Nossos oficiais que vêm seguindo as equipes de Fuller não conseguiram nenhuma informação adicional.
- Nós precisamos ter acesso a pelo menos um deles. Como foi a desestruturação psicológica com o tal Lucas?
- Com certeza consegui atingir o objetivo de deixá-lo desconfiado da Kalmasia. Creio que serei capaz de trazê-lo comigo numa próxima oportunidade. A parte difícil será ter acesso a ele novamente.
- Então seguiremos os conselhos do Marechal: vamos elaborar uma estratégia... – Krieg encara Hugh com um sorriso quase diabólico – Tenho um plano.


*          *          *


História original: Mário de Abreu
Escrito por: Mário de Abreu e Junim Ribeiro
Colaboração: Léo Borlido

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