Nosferata

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quarta-feira, 2 de março de 2011

Cap. 02 Pt. II - Minha Casa - Nosferata Vol. I Guerra de Sangue

 
NOSFERATA


VOLUME I – GUERRA DE SANGUE: SOCIEDADES


CAPÍTULO 02 – MINHA CASA pt. II

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            O sol acabava de raiar quando Alice Parker acorda em sua cama. Levanta-se e lentamente caminha até uma porta, que dava para a varanda, abrindo-a por completo. Sua mãe dormia em uma cadeira, do outro lado do quarto e acorda sobressaltada com a luz que adentrava.
            - Como você se sente, minha filha? – pergunta Margareth.
            Alice a encara, como a procurar uma resposta. Margareth nota um vazio em seu olhar, que logo se perde em meio aos pensamentos da garota. Alice parecia se perder.
            - Então, como se sente? – Margareth insiste.
            - Não sei... – Alice era vaga.
            - Mas você não se sente feliz, alegre, com vontade de viver e apreciar as belezas do mundo? – Margareth se lembrava das palavras de Livius e Baltus na noite anterior.
            - Pra falar a verdade, não. – diz Alice, ainda olhando para o nada – Eu... Eu não sinto nada, é como se nada fizesse diferença.
            - Minha filha, se dê tempo. Pare para ouvir os pássaros cantando e sentir o perfume das flores...
            - Estou me sentindo nua e suja. – diz Alice, apática, ignorando as palavras da mãe.
            - Então vá tomar um banho, filha. Eu vou queimar essa sua camisola e as roupas de cama que você usou esses dias. Quando você sair do banho já vou ter separado roupas limpas para você usar.
            Margareth parecia animada, enquanto observava a filha se dirigindo ao banheiro. Imaginava que tal vontade de tomar um banho fosse o início de sua recuperação pelo apreço à vida.

            Alice ficara um bom tempo sob o chuveiro desligado, com a mão repousada sobre a torneira, pronta para abri-la, porém, imóvel, apenas pensando em algo que nem ela própria saberia dizer do que se tratava. Quando finalmente resolve abrir, deixa a água escorrer por seu rosto. Ela fecha os olhos na intenção de tentar se lembrar de algo, pois tinha a sensação de ter a cabeça vazia também, como se não lhe restasse mais memória alguma. Quanto mais ela tentava se lembrar de algo, mais uma única imagem se repetia em seus pensamentos: Padre Livius.


*          *          *


            O sol já havia nascido plenamente quando Dylan acorda. Vê-se na casa de Kayla, no sofá da sala, onde dormira conversando com Jared, que havia dormido à mesa, sobre o livro que mostrava a ele. O último levanta-se e acorda Jared com um tapinha na nuca. Jared acorda assustado.
            - Acorda logo porque vamos à polícia. – diz Dylan.
            - Polícia? – Jared se espanta – Você perde a memória depois que dorme, é? Não prestou atenção em nada do que eu falei ontem?
            - Em primeiro lugar, ao contrário de você eu nem dormi, só dei uma pescada agora há pouco. E o seu plano... Então, o seu plano parece ser bem mirabolante, mas nem um pouco eficaz.
            - Mas você não está dando sequer a oportunidade de tentar.
            - Uma esotérica não vai ser capaz de nos apontar caminho algum!
            - E você acredita que a polícia vai ser?
            - É o que se espera dela. E afinal, supondo bem de longe que a Kayla realmente esteja entre vampiros, você acha mesmo que nós conseguiríamos resgatá-la antes que ela fosse morta por eles?
            - Eu também tenho essa dúvida, Dylan, mas se deixarmos essa história por conta da polícia, isso vai se tornar uma certeza e uma bem negativa.
            - Mas não vamos nos esquecer que ainda há a possibilidade de serem sequestradores normais.
            - Sequestradores normais não seriam capazes de imitar sua voz com tanta perfeição e nem de desaparecer nas sombras.
            Jared percebe na expressão de Dylan um certo olhar que ele já conhecia muito bem: era uma mistura de recriminação e dó, como quem obviamente discorda de tudo o que ele diz, mas ao mesmo tempo tem pena por vê-lo acreditar tão piamente naquilo. O olhar de Dylan era de quem tinha vontade de chamá-lo de louco, mas ele relutava.
            - Dylan, eu nunca seria capaz de arriscar a vida da minha irmã, a única pessoa que me resta de família, por conta de uma grande viagem ou um devaneio. – diz Jared em tom de voz calmo – Eu sei o que eu vi e tenho certeza do que era. Eu vou conseguir encontrar a Kayla dessa maneira.
            - Tá bom, mas vamos começar logo, então... – diz Dylan, respirando fundo, vencido pelo argumento.
            - Está cedo ainda, tente deitar e descansar um pouco. O dia vai ser cheio e não vai adiantar nada sairmos cedo assim.
            No fundo, Dylan sentia que estava tomando a pior das decisões, mas não conseguia evitar. Também não conseguia dormir, apenas se acomoda no sofá e fica refletindo.


*          *          *


            Livius acorda com o badalar das seis da manhã. Levanta-se espreguiçando e sentindo as articulações dos braços e costas estralarem; dormira muito mal. Ao deixar seus aposentos, corre para ver Baltus. Ele chega à porta e encontra o padre sentado à cama, imóvel, com uma expressão séria e macabra no rosto. Livius se assusta e sente um forte arrepio percorrer-lhe a espinha: ele sente um medo repentino.
            - Baltus? – ele chama, temendo que houvesse alguma manifestação tomando o corpo do padre.
            Baltus nada responde. O que preocupa Livius.
            - Baltus... – o jovem padre insiste – Baltus!
            Ele reage como quem acorda assustado:
            - O que foi? – pergunta desorientado, começando a perceber a realidade à sua volta – Eu dormi nessa posição?
            - O senhor estava dormindo?
            A indagação de Livius deixa ambos preocupados, porém Livius não tem coragem de lhe perguntar o que de fato acontecia e Baltus, por sua vez, prefere discutir outros assuntos a render aquele.
            - Vamos. – diz Baltus levantando-se da cama – Precisamos descer...
            - O senhor consegue andar?
            - Infelizmente sim, sinto-me ótimo! – diz Baltus seguindo, evitando render outro assunto.
            O primeiro intuito de Livius seria de sorrir e dizer o quanto isso era bom, mas ele sabia que aquilo não era um bom sinal. Preferindo não dizer nada por não encontrar as palavras adequadas, Livius apenas o segue. Chegam ao grande salão da paróquia, onde a polícia já começava a tomar conta, averiguando os estragos. Alguns oficiais isolavam o interior da igreja com fitas de tarjas pretas e amarelas. Do lado de fora havia vários curiosos. Antes que alguém notasse a presença de ambos ali, principalmente de Baltus naquelas condições, envolto por tantas bandagens, ele puxa Livius de volta para dentro.
            - Não posso ser visto assim pelo povo. – diz Baltus, arrancando concordâncias de Livius – Vá lá e procure pelo Detetive Polski entre os oficiais da polícia. Chame-o aqui.
            Livius logo sai, à procura de Polski. Ao percebê-lo ali, as pessoas curiosas começam a chamar por seu nome, perguntando sobre o que acontecera e sobre Baltus. Livius olha em volta, para todas aquelas pessoas. Começa a sentir-se desorientado. Pelo o que sobrou de onde havia a porta, em meio aos destroços, ele tem a impressão de ver a mesma criatura horrenda que os atacou na noite anterior. Tenso e assustado, ele tenta olhar melhor, mas não o vê mais. Uma voz chama-o de volta à realidade:
            - Que bom vê-lo, padre. – era um dos oficiais, jovem, porém com ar sério e experiente – Eu precisava falar com o senhor, ou de preferência com o padre Baltus, com quem já converso habitualmente.
            - Infelizmente o padre Baltus não está se sentindo muito bem, ele me pediu que encontrasse o detetive Polski e levasse apenas ele para conversarem.
            - Que bom, então! – o homem estende a mão a Livius – Detetive Ian Polski.

            Livius retorna à sacristia acompanhado de Polski, que leva um susto ao ver Baltus com todas aquelas bandagens em sua cabeça. Após cumprimentar o policial, Baltus se dirige a um armário, o qual revirava entre portas e gavetas, à procura de algo.
            - Ontem à noite um taxista bêbado entrou com o carro desgovernado dentro da igreja. Provavelmente perdeu controle graças ao excesso de velocidade. – dizia Baltus enquanto ainda revirava o armário – Eu estava no altar nesse momento, orando. Tive sorte por não ter sido atingido pelo carro, mas os destroços de um dos bancos me acertaram. Depois disso o motorista fugiu, deixando o carro batido para trás...
            Baltus fica reticente. Livius já estava curioso demais à respeito do armário. Polski esperava pacientemente.
            - Ah! Aqui está! – Baltus se vira com um bolo de notas na mão, que encontrara no armário.
            O padre entrega todo aquele dinheiro nas mãos do detetive, fazendo Livius arregalar os olhos. Provavelmente, de todas as novidades desde a noite anterior, essa foi a que mais lhe chocou.
            - Vou chamar um perito para fazer um retrato-falado do taxista. – diz Polski – Mas o que eu devo fazer com relação ao túmulo violado?
            - Qual túmulo violado? – a surpresa de Baltus é grande, confundindo Polski.
            Sem hesitar, Livius põe-se à frente e ordena a Polski que mande recobri-lo de terra antes que os curiosos percebam. Polski, sem nada questionar, deixa a sacristia.
            - De qual túmulo vocês falavam? – pergunta Baltus assim que se vê à sós com Livius.
            - Nessa madrugada, às três da manhã, um corpo levantou-se dessa cova e saiu andando.
            A fisionomia de Baltus delata toda sua preocupação.


*          *          *


            Jared e Dylan andavam pelo que parecia ser uma movimentada rua do centro comercial da cidade. O primeiro carregava uma coroa de alho em torno do pescoço e uma estaca de madeira nas mãos.
            - Pelo amor de Deus, Jared! – diz Dylan morrendo de vergonha – Larga isso em algum lugar, por favor. Tá todo mundo olhando!
            - Se eu fosse você tratava de se proteger também, ao invés de se preocupar com o que esse monte de gente desconhecida está pensando. – responde Jared sem dar a mínima para Dylan.
            - Seja pelo menos coerente, é impossível para um vampiro nos atacar em plena luz do dia, caso eles realmente existam...
            - Nunca se sabe nessa história toda o que é apenas mito e o que é realmente verdade. – diz Jared com uma séria convicção que faz Dylan ter vontade de lhe bater – Vampiros vivem dentro da sociedade humana, provavelmente eles realmente podem andar durante o dia e são aquelas pessoas mais fofas e menos suspeitas...
            Eles param em frente a uma loja. O vidro da vitrine estava praticamente marrom, de tão sujo. Havia várias bugigangas esotéricas e ocultistas, que mal se podia ver graças à sujeira do vidro. Entre os artefatos expostos havia uma infinidade de bonecas de bruxas, de vários estilos e tamanhos. Dylan praticamente rezava pedindo a Deus para que aquele não fosse o tal lugar onde Jared queria levá-lo, mas percebe que suas preces não seriam atendidas quando o último o puxa para dentro da loja. Ao passarem pela porta, um daqueles penduricalhos com várias pedras toca um som agradável, anunciando a entrada de algum cliente, provavelmente. Do fundo da loja, vem uma mulher gorda, no ápice de seus quarenta anos, bonachona e de cabelos desgrenhados e mal tingidos. Em seu caminho até os dois, Dylan percebe haver prateleiras e mais prateleiras de entulharias, livros, velas, ervas e outros artigos que ele nunca havia visto em sua vida. Ele se incomodava com o forte cheiro de mofo do lugar, mas rapidamente esquece tal mal estar substituindo-o por outro ao avistar algumas facas, punhais e bonecos de vodu que eram vendidos acompanhados de alfinetes.
            - Secham bem-vindos ao meu lôja, garrotas. – diz ela com um forte sotaque impossível de se identificar a procedência – Eu ser Madame Liry, a poderrôssa...
            - Corta o teatro, Brooke. – diz Jared risonho – Sou eu!
            Brooke logo desarma até mesmo a pose, retirando o lenço estampado que usava cobrindo o rosto. Dylan quase não conseguia crer no que Jared julgava ser o melhor caminho para encontrar Kayla. Ele apenas conseguia pensar em maneiras para afastá-lo definitivamente de televisões.
            - Certo, querido... – diz Brooke com desdém – O que foi dessa vez?
            - Eu preciso encontrar um vampiro. – ele afirma sério.
            As feições de Brooke se transformam instantaneamente.
            - Jared, eu sempre pensei que a sua intenção era afastar os vampiros, mantê-los longe!
            - Normalmente seria sim, Brooke. Mas aconteceu uma coisa e agora eu preciso encontrar esse vampiro.
            Sem dizer nada, ela caminha rapidamente até a porta de entrada e vira uma placa, que antes anunciava que a loja estava aberta. Ela se volta novamente para os dois, fazendo um sinal para eles a acompanharem. Os dois a seguem até o fundo da loja.
            - Que loucura é essa de querer encontrar um vampiro, garoto? – pergunta ela em tom repreensivo – O que poderia ter acontecido para você ir atrás desse tipo de demônio?
            - Ontem à noite minha irmã foi sequestrada por um.
            - Você tem certeza? – ela sente a gravidade – Jared, podem ter várias outras possibilidades...
            - Brooke, eu tenho certeza! Eu vi.
            - E o que você pretende fazer se encontrá-lo?
            O silêncio de Jared denuncia que ele não tinha nenhum plano.
            - Os vivos não têm nenhum tipo de acesso aos lugares onde eles vivem, eu nunca saberia como encontrar um. – diz Brooke.
            - Algum modo existe, Brooke, nem que seja por feitiço!
            - Ah, já chega! – diz Dylan virando-se para a saída – Já vi muito desse circo, Jared! Eu não acredito como deixei você me convencer a perder todo esse tempo com essa baboseira!
            Jared fica sem reação. Brooke encara Dylan em silêncio, séria.
            - Você não acredita em nada disso, não é? – ela pergunta.
            - Nada! – Dylan enche a boca.
            - O universo segue uma espécie de balanço onde todas as energias tem dois tipos de movimento a realizar: entrar em harmonia com as semelhantes e em equilíbrio com as opostas.
            Dylan não entende bulhufas.
            - Nós, os homens, estamos todos na mesma metade de uma esfera, porém estamos em desarmonia com as outras energias. – ela explica – As energias que estão do nosso mesmo lado são, por exemplo, os animais e a natureza. Quando as energias de um lado dessa esfera entram em desarmonia, isso desloca o equilíbrio que há com as energias do outro lado.
            - E o que acontece? – Dylan pergunta com desdém.
            - Não sei. – ela diz – Só sei que vampiros deveriam estar do outro lado, mas agora eles estão aqui e não há mais como prever o que está por vir.
            - Isso tudo é a maior bobeira que já ouvi em toda a minha vida! – diz Dylan achando aquilo tudo extremamente inacreditável – Me desculpe, mas pra mim não passa de uma grande viagem de uma charlatã!
            Brooke arregaça a própria gola da blusa, mostrando seu pescoço: havia a cicatriz de dois furos, exatamente como as mordidas de vampiro que Jared mostrara em seu livro. Dylan fica perplexo, perdendo a fala no mesmo instante. Jared estava à beira de um orgasmo:
            - Como que aconteceu? Ele não te drenou? – Jared quase se pendurava no pescoço de Brooke.
            - Não sei... – diz ela escondendo a cicatriz com a blusa novamente – Foi muito rápido e não me lembro de muita coisa daquela noite. Me lembro do rosto de um homem, mas é uma imagem muito vaga, não consigo nem descrevê-lo direito...
            - Mas isso quer dizer então que você é capaz de encontrar um vampiro!
            Brooke caminha até o fundo da sala, onde havia uma estante com vários livros. Ela revira várias prateleiras, revelando que atrás das colunas de livros haviam outros escondidos.
            - A grande vantagem de ser uma pesquisadora do ocultismo é que provavelmente eu não conheço tudo o que é oculto, mas com certeza conheço algo que conhece. – diz Brooke ao puxar um livro com o título de "Sociedades Secretas".
            Jared e Dylan se projetam na direção do livro, como se intencionassem adentrá-lo.
            - Esse livro é o estudo de um antropólogo e um teólogo sobre as sociedades secretas mais importantes do mundo, entre elas a Maçonaria, a Rosa Cruz e até mesmo pequenas fraternidades de universidades de renome mundial. – diz Brooke – O que me chama mais a atenção nesse livro é que ele aborda uma sociedade da qual ninguém nunca ouviu falar e a explora da mesma forma que as outras...
            Folheando, Brooke chega ao título “A Irmandade da Chama Verde”.
            - A Irmandade da Chama Verde é uma sociedade secreta que existe desde o início da Idade Média, com berço numa cidadezinha do interior da Romênia de um nome tão complicado que eu nem consigo pronunciar... – Brooke explica – E hoje, essa sociedade já se espalhou pelo mundo inteiro. Seus membros são em maioria policiais, cientistas, historiadores, médicos e clérigos de toda sorte de religiões.
            - Mas o que te faz acreditar que eles sabem alguma coisa sobre vampiros? – pergunta Jared.
            - Em primeiro lugar, a região dessa cidade onde a Irmandade foi criada também é conhecida como Transilvânia.
            Brooke mostra a Jared dados que mostram a coincidência das atividades da sociedade com a incidência dos crimes de sangue drenado.
            - Cruzando toda a informação que temos sobre suspeitas de ações vampíricas, a história dessa Irmandade da Chama Verde se encaixa perfeitamente.
            - Eu quero esse livro. – diz Jared.
            - Isso é uma raridade, meu querido! – diz ela puxando-o para si – Não se sabe onde adquirir outro exemplar desse!
            - Mais um motivo! Dê um preço...
            - Jared, eu não posso vendê-lo...
            - Diz um preço.
            - Trezentos Euros. – ela responde sem titubear.
            Jared e Dylan engolem seco.
            - E de quanto é o desconto para os amigos? – ele pergunta risonho.
            - Amigos, amigos, negócios à parte. Você me conhece, Jared.
            - Mas eu não tenho esse dinheiro todo... – diz ele decepcionado.
            Silêncio. Brooke estava irredutível. Jared começa a encarar Dylan, que também não conseguia crer na falta de companheirismo de Brooke naquele momento. Demora alguns segundos até Dylan perceber que a cara de cachorro abandonado de Jared sugeria que ele lhe desse o livro.
            - Não! Não mesmo, não senhor! – diz Dylan – Eu não vou pagar esse preço absurdo num livro velho só pra seguir o palpite de uma doida!
            Brooke fica indignada.
            - Pensa na Kayla, Dylan! – diz Jared – Esse livro pode nos levar direto a ela!
            Dylan sabia que Jared estava absolutamente certo ou redondamente enganado. Mas o fato de se pegar nessa dúvida o incomoda. Ele parecia estar começando a dançar aquela música louca e se sentia um louco de fato. Jared continuava olhando-o.
            - Tá bom, eu compro o livro! – diz Dylan a contra-gosto, sem acreditar piamente que o tal livro pudesse realmente levá-los a algum lugar.
            Após receber o dinheiro, Brooke lhes entrega o livro e os acompanha até a saída.
            - Os alhos e as estacas você deveria deixar aqui. – diz Brooke a Jared.
            - Por quê?
            - Se você realmente encontrar um vampiro em sua busca, não vai querer que ele o veja com tantas armas na mão. – ela diz – Além disso, enquanto estiver andando na rua, chamando a atenção com tudo isso, você nunca vai encontrar um.
            - Realmente... – diz ele deixando os apetrechos sobre o balcão da loja e saindo em seguida.
            Dylan ia saindo atrás, mas para.
            - Eu não tenho certeza quanto ao livro, mas pelo menos por fazer o Jared largar essa porcariada toda valeu a pena todo o dinheiro gasto. – ele diz e sai em seguida.


*          *          *


            À mesa, Margareth havia servido frutas, torradas, bolo, geléia, café e suco. Era um café da manhã de dar água na boca, porém Alice não sentisse a menor fome. Sem apetite, apenas honrando o compromisso com a refeição, Alice passava tranquilamente a geléia sobre uma torrada, como se lapidasse uma pedra. Margareth estava angustiada com a apatia da filha.
            - Como você está se sentindo depois de ontem à noite? – pergunta Margareth após desistir várias vezes de abordar o assunto.
            - Melhor... – Alice, reticente, sequer olha para a mãe.
            - Eu estou ficando preocupada com esses efeitos colaterais. Não é exatamente o que os padres haviam previsto.
            Alice mantém-se em silêncio.
            - Meu maior medo é que o que quer que seja aquilo ainda esteja aqui. – diz Margareth, receosa de suas próprias palavras.
            - Não. – Alice responde prontamente – Já se foi, eu tenho certeza.
            Margareth a encara, como quem pedia por mais detalhes.
            - Eu não sei o que era, mas com certeza já não está mais aqui comigo...
            Longo silêncio. Margareth não se controla e caminha até a filha, chacoalhando-a pelos ombros:
            - Pelo amor de Deus, Alice! – diz Margareth desesperada – Reaja! Faça alguma coisa, diz alguma coisa, qualquer coisa!
            Alice a encara de olhos arregalados, porém na constante apatia. Margareth se agacha ao lado da cadeira de Alice, deixando algumas lágrimas escorrerem.
            - O que foi, mãe?
            - Você precisa reagir, os padres disseram que você precisa reagir, senão o demônio acabará voltando... – diz Margareth em tom de súplica...
            Pela primeira vez Alice demonstra um sentimento. Acontece de uma forma muito sutil e rápida, mas era um sentimento: uma ponta de preocupação em seu olhar.
            - Eles esperavam por uma admiração pelo mundo, coisa de quem esteve sem vida e a agora a retoma... – Margareth continua – Eles disseram que aquilo só acontece com pecadores que deixam o mal instituir morada em seus corações. Você se afastou de Deus, minha filha, você perdeu a bondade em sua vida. Se você não recuperar a inocência, o otimismo e o amor, se você não deixar Deus voltar para dentro de seu coração, o demônio voltará para te possuir novamente, pois é isso o que acontece com as pessoas que vivem  nessa situação.
            - Quem disse isso? – pergunta Alice.
            - Os padres, minha filha! Os padres que vieram aqui ontem à noite te ajudar. Inclusive eu prometi ao Padre Livius, aquele mais novinho, que eu a manteria sempre no caminho de Deus.
            A imagem de Livius vem novamente à cabeça de Alice.
            - Irei vê-lo. – diz Alice levantando-se da cadeira, deixando a mãe sem entender nada – Vou até à igreja.
            - Você vai à igreja? – Margareth se levanta com um grande brilho nos olhos.
            - Sim, é lá que o encontro, não é?
            - É sim, minha filha! – Margareth sorri – Vá à igreja sim, você vai ver como vai se sentir bem!


*          *          *


            Toda a confusão na igreja já havia cessado. A polícia já havia feito seu trabalho, os curiosos já haviam se dispersado e naquele momento, apenas trabalhadores recolhiam os escombros da porta e dos bancos quebrados, preparando o local para uma pequena reforma de reparo dos danos causados pelo carro. Baltus e Livius estavam no cemitério, junto com Polski, onde um rapaz terminava de recobrir o túmulo revirado com terra.
            - Está tudo realmente bem, padre? – pergunta Polski quando o rapaz se retira – Essa sepultura violada e seu olho ferido me deixaram realmente preocupados. Não me sinto tranquilo em ir embora sem mais nada fazer pelos senhores. Já vi de um tudo acontecer por aqui, mas nada nunca me soara ser de tanta gravidade quanto isto.
            - Não se preocupe com isso, detetive. – responde Baltus – Estará tudo sob controle enquanto o senhor cumpri sua parte em nosso acordo.
            - Quanto a isso o senhor pode ficar despreocupado, como sempre. – diz Polski estendendo a mão – Sendo assim, um bom dia para os senhores.
            Eles se despedem e Polski deixa a igreja.
            - Padre, agora que nos encontramos a sós gostaria que o senhor narrasse o acontecido da última noite... – diz Baltus olhando o túmulo recém coberto.
            Livius conta a Baltus exatamente o que vira, enfatizando a aparência centenária do corpo, porém não estar totalmente decomposto e o fato de ter ocorrido às três da manhã.
            - E como ele parecia estar? – pergunta Baltus.
            - Morto! – diz Livius sem entender o teor da pergunta.
            - Mas ele parecia assustado, obstinado ou alguma coisa?
            - Como eu saberia, padre?
            - Ele se levantou e saiu andando ou se arrastou? Ele parecia estar em boas condições?
            - O senhor poderia me explicar o motivo dessas perguntas?
            - Esse cadáver, padre, ele se levantou de um túmulo e simplesmente saiu andando aleatoriamente ou ele parecia ter um destino conhecido?
            - Ele andou em linha reta, de maneira decidida.
            Baltus permanece em silêncio, pensativo.
            - O que o senhor está pensando? – pergunta Livius.
            - Não comente nada à esse respeito com o enviado da Nosferata essa noite, padre. – diz Baltus com semblante de preocupação – A não ser que ele próprio entre no assunto.
            - Por quê?
            - O senhor precisa fiar-se mais em mim e fazer menos questionamentos!
            - Serei eu que estarei nesse cemitério essa noite, eu preciso saber tudo o que senhor sabe!
            - Cheguei em um mau momento? – Alice se aproximava, mas percebe que ambos não estavam com caras boas.
            Logo as expressões dos padres se abrem em grandes sorrisos, ao vê-la.
            - Alice! Que bom vê-la bem!
            - O que aconteceu ao senhor, padre? – pergunta Alice ao ver os curativos no olho de Baltus.
            - Acabei me envolvendo no acidente de ontem à noite aqui na igreja. Acho que você já deve ter percebido...
            - Sim, eu vi a igreja... – ela diz – Mas fora isso estão todos bem?
            - Sim, sim... Estamos. – Livius responde.
            - Mas por um acaso isso não teria nada a ver com o que os senhores fizeram ontem lá em casa...
            - Não, não! – Baltus logo a interrompe – Absolutamente!
            Silêncio. Alice percebe que Livius olhava para uma pá que estava deitada sobre um túmulo nitidamente coberto há pouco tempo.
            - Acho que eu realmente não vim em uma boa hora... – diz Alice preparando a despedida.
            - Filha, não haveria melhor hora para sua chegada. – diz Baltus – Eu não estou me sentindo muito bem, irei subir aos meus aposentos para repousar um pouco. O senhor, padre, dê a assistência necessária à garota.
            Baltus conduzira os dois no caminho de volta à igreja e sai andando à frente. Lentamente Livius e Alice continuam, apenas caminhando enquanto conversam.
            - Então, como você tem se sentido? – Livius pergunta.
            - Não sei dizer ao certo. Acordei me sentindo vazia, inerte. Mas agora, aqui na igreja, eu estou começando a me sentir melhor. Estou me sentindo bem. – ela abre um tímido sorriso.
            - Isso é ótimo!
            - Sim, é mesmo...
            Eles sorriem um para o outro e logo os olhares se perdem no nada. Continuam caminhando, sem assunto. Livius a olha e ela resolve pressioná-lo:
            - O que era aquilo que eu tinha? O que o senhor e o Padre Baltus fizeram?
            Antes de conseguir dizer palavra, Livius apenas nota as marcas de mordida no pescoço de Alice, que o fitava duramente, pressionando-o por uma resposta. Ele tenta dizer algo, mas gagueja.
            - O que foi, padre? O que foi aquilo? – ela insiste.
            - O que aconteceu foi que você se deixou possuir por energias do mal... – ele responde vagamente.
            - Eu não me sentia possuída, padre. Apenas sentia vontades as quais não sinto mais. Eu sentia um calor dentro de mim que não sinto mais, agora me sinto gelada por dentro, como se inclusive meu útero tivesse secado e agora eu nunca mais pudesse ter um filho na vida. Me sinto fria e seca, que é totalmente o oposto do que eu deveria estar sentindo, não é mesmo? Cheia de vida e otimismo?
            - Sua situação já era bem avançada quando intervimos ontem, Alice, foi praticamente no último minuto. Nesses casos é realmente muito difícil prever com exatidão qual será a reação do paciente após o tratamento.
            - Por tratamento o senhor quer dizer exorcismo?
            - Vou te explicar o mesmo que explicamos à sua mãe ontem, Alice...
            - Sim, eu sei. Minha mãe já me disse isso.
            - Então o que te incomoda?
            - Por que o senhor pediu à ela para se assegurar de que eu não saia dos caminhos de Deus?
            - Porque eu detestaria vê-la nas mesmas condições uma segunda vez.
            Livius e Alice se olham nos olhos por alguns instantes.
            - Quais são as chances desse mal reincidir?
            - Infelizmente não sei... – Livius, sabendo que na verdade aquilo se tratava da ação de um nosferatu, não tinha como lhe dar tal resposta – Mas posso te garantir que frequentar mais a igreja ajudará bastante a diminuir esse risco.
            Novamente eles se olham, mas dessa vez Livius estava focado nas cicatrizes no pescoço de Alice.
            - Como surgiram essas marcas em seu pescoço?
            - Não sei... Não me lembro... – Alice diz tocando-as e sentindo-se mal em seguida.
            - O que foi? – ele se adianta, apoiando-a após a cambaleada que ela dera.
            Alice toca as cicatrizes novamente e, novamente sente-se tonta. Preocupado, ele a apóia até levá-la a sentar-se em um banco.
            - Quando toco essas feridas vem uma cena em minha cabeça.
            Livius nada pergunta, apenas espera pela conclusão, apreensivo.
            - Eu sei que vai soar do modo mais bizarro possível, mas eu acho que eu fui mordida por um homem.


*          *          *


            Jared e Dylan estavam em um restaurante fast-food folheando o enorme livro que comparam na loja de Brooke. Jared praguejava, pois o livro apresentava toda sorte de informações inúteis sobre a sociedade, mas o que ele mais precisava não achava: como encontrar um membro ou uma sede.
            - Você esperava o quê? – Dylan pergunta em tom de deboche – Encontrar uma casa com uma placa na porta dizendo “Irmandade da Chama Verde”, bater e pedir algumas informações sobre vampiros?
            Jared apenas olha feio para Dylan.
            - É uma sociedade secreta, cara! – diz Dylan – Isso se aquela doida da Brooke ou Madame Liry realmente estiver certa e eles de fato estudarem a possível existência deles.
            Jared começa a achar Dylan cansativo. Sua descrença e seu tom de deboche, principalmente para imitar Madame Liry lhe sugavam as energias, que ele considerava muito importante canalizar em sua busca.
            - É realmente muito estranho conceber a idéia de que alguém tenha acreditado nisso a vida inteira... – Dylan continuava com seus resmungos.
            - Você acredita em Deus? – Jared corta-o.
            - Sim. – Dylan responde sem hesitar.
            - Você por acaso já viu ou ouviu falar de alguém que já tenha visto Deus?
            - Muitos padres já, sem contar várias pessoas citadas na Bíblia.
            - A Bíblia pode sim ter sido supostamente ditada por Deus, mas foi escrita por homens, assim, como as revistas e os livros que eu te mostrei que falam sobre os vampiros. – Jared continua – A única diferença é que a Bíblia já está por aí há muito mais de mil anos, mas eu também tenho relatos de suspeitas de ações vampíricas de mais de mil anos atrás também. Se você nunca viu Deus, nem tem nenhum relato concreto de que o Mar Vermelho realmente se abriu ou de que Jesus realmente ressuscitou ao terceiro dia e mesmo assim acredita naquilo tudo, quem é você pra duvidar de qualquer outra coisa com tantas fontes e relatos?
            - Eu não duvido dos relatos, só prefiro ter a mente aberta para outras possibilidades.
            - Quais outras possibilidades, Dylan?
            - Sei lá, Jared! Talvez um monstro do lago ou coisa do tipo! Por que ele não pode ser suspeito também?
            - Um monstro do lago não conseguiria ligar do celular da minha irmã imitando a sua voz. – Para Jared a diferença era muito clara.
            - E alienígenas? – Dylan já estava irritado – Ela pode ter sido abduzida!
            - Você já está viajando demais, Dylan... – diz Jared com olhar de reprovação.
            - Eu estou viajando demais? – Dylan repete a pergunta, indignado.
            - Sim, está!
            - Eu passei a noite em claro sem poder ligar para a polícia, fui com você conhecer a mulher mais louca que já vi em toda a minha vida, paguei trezentos Euros num livro pesado, velho, empoeirado e que está à beira de se desintegrar, tenho andado a manhã inteira com um moleque de dezesseis anos que está fedendo alho e ainda sou obrigado a ouvir que eu estou viajando demais!
            - Dylan, você está muito inconstante e isso pode atrasar demais a busca pela minha irmã.
            Dylan fica ainda mais puto, pela petulância de Jared dizer que ele o está atrasando.
            - Olha, numa boa? – Dylan aproxima-se de Jared – Eu desisto! Vou procurar a polícia porque eu realmente estou viajando demais te acompanhando nessa loucura toda. A tal história da imitação da minha voz e o cara que some no escuro provavelmente não passam de devaneios dessa sua mente fértil!
            - Por que você está pulando fora?
            - Do fundo do meu coração, Jared, eu realmente acredito que Kayla terá mais chances nas mãos da polícia do que com toda essa sua maluquice.
            - Por que você não consegue simplesmente ter fé e confiar? Você acha que eu também não estou preocupado com minha irmã?
            - Eu preciso ter certeza que a Kayla ficará bem! Eu não vou aceitar correr riscos no que diz respeito à vida dela! A gente não se conhece há tanto tempo assim, mas eu me apaixonei pela sua irmã e nunca na minha vida acreditei que fosse possível amar tanto uma pessoa em tão pouco tempo...
            Dylan se emociona com suas próprias palavras. Jared levanta na intenção de lhe dar um abraço. Dylan percebe e prefere se desviar de Jared, que acaba por esbarrar no livro, derrubando-o ao chão. Vendo que Dylan fugia de seu abraço, Jared resolve pegar o livro, colocando-o novamente sobre a mesa sem fechá-lo. Aquelas duas páginas abertas o hipnotizam. Curioso, Dylan também se aproxima para ver. Ao cair, o livro se abriu exatamente na seção que fala sobre a Irmandade da Chama Verde. Entre os textos, havia algumas fotos e entre elas a fachada de uma enorme biblioteca na Rússia. Próximo à foto havia uma frase destacada do texto que dizia que eles sempre se reuniam em seções exclusivas de grandes bibliotecas privadas.
            - Já sei! – Jared tem uma epifania – A maior biblioteca de iniciativa privada da cidade é a Biblioteca Jeremiah Reene.
            - É uma biblioteca relativamente nova, tem no máximo seus cem anos.
            - E tem grandes chances de ter sido fundada por uma iniciativa formada por membros da Irmandade.
            Jared encara Dylan, que pergunta o que era.
            - Eu vou lá conferir. – diz Jared, esperando uma resposta de Dylan.
            - É melhor você estar certo nisso... – responde Dylan após muito pensar.


*          *          *


História original: Mário de Abreu
Escrito por: Mário de Abreu e Junim Ribeiro
Colaboração: Léo Borlido


Na próxima semana não haverá post devido ao feriado de carnaval.
Gostaríamos de lembrar a todos que os propósitos desse blog são a divulgação da história e a possibilidade de um canal aberto direto com os leitores, para que possamos estar sempre a par da opinião de vocês. Nosso único meio de ter acesso a isso é através dos seus comentários, porém nas últimas semanas não tivemos nenhum retorno. Gostaríamos desde já de agradecer imensamente a todos aqueles que nos postaram um comentário com suas opiniões, mas também de informar que após o carnaval só retornaremos com as postagens se conseguirmos mensurar nosso público. Caso você seja um dos nossos leitores e esteja interessado na continuação da história, por favor, poste um comentário ou envie um email para nosferataoficial@hotmail.com, pois só assim conheceremos nossos leitores e saberemos se devemos ou não continuar com o blog.

2 comentários:

  1. *---* a história ta muito foda, mal posso espera pra quando Livius for "conversar" com o nosferatu

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  2. Ae Mário blz? Aqui é o José, amigo do Leandro. Já baixei tds os pdfs pra ler. Qdo terminar t dou o toque e digo o q eu axei. Vlw.

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